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terça-feira, maio 09, 2017
quarta-feira, fevereiro 27, 2013
Resumo do livro Pintores e Poetas de Rilhafoles de Júlio Dantas de 1900
Embora Dantas, influenciado pela nova psiquiatria italiana do final do século XIX, tenha conferido à arte dos loucos um nível estético nulo, a importância que lhe deu a nível psiquiátrico fez com que criasse um documento importantíssimo para a história da Arte Bruta de Portugal. Várias vezes o autor faz a comparação da arte dos pacientes com vários artistas e movimentos da época remetendo ambos para uma arte degenerada. Este é um livro de essência estética fascista e dogmática usando a arte Outsider como o mau exemplo a seguir. Vou deixar o 4º capítulo inteiro na publicação a seguir, pois são 12 descrições de pacientes, das suas doenças e das suas obras, o escritor divaga entre admiração e a repulsa em relação aos poetas e pintores de Rilhafoles, penso que o último será Ângelo de Lima, o poeta.
I - A ideia de fazer esta monografia surgiu ao autor ao observar a colecção de Miguel Bombarda em Rilhafoles, influenciado por um artigo de 1989 de um psiquiatra americano chamado Ales Hrdlicka. Considera que a loucura sempre fez parte da história de Portugal inclusive de Reis e Rainhas, defendendo que para um crítico de arte é necessário conhecer a arte dos manicómios para a diferenciar da arte oficial.Para o autor embora sendo uma arte menor, a arte dos loucos tem uma grande importância para a psiquiatria, pois os doentes ao não conseguirem exteriorizar o seu sistema delirante através de uma comunicação verbal, pode-no exteriorizar através duma pintura ou de uma carta.
II - É reforçada a ideia de que a colecção de Rilhafoles em geral é bastante vulgar, com valor estético mínimo ou nulo, o grande valor é exclusivamente psiquiátrico. São os delírios e as alucinações transportados para o papel que originam estes documentos plásticos. Tal como a paranóia que alastra para fora dos muros dos "manicómios e alastra, cá por fora, dando os revolucionários, os anarquistas, os malucos, os santos, e toda essa galeria de figuras de cera da literatura e da arte decadente, a que é de uso chamar simbolistas, místicos, neo-goticos, bizantinos, pré-rafaelitas, e vários outros nomes de gíria bárbara criados com pior ou melhor fortuna pelos pseudo-génios da Dissolução."
III - A paranóia é a única raça de loucura compatível com a vida social, sendo a decadência artística o primeiro sinal da fraqueza de um povo e o início do fim de uma raça.
IV - Em Rilhafoles há muito mais pintores que grafómanos, pois predominam os analfabetos. O autor prossegue valorizando alguns dos artistas loucos. Os grafómonos exprimem-se através de várias técnicas: autobiografias, cartas eróticas, folhetos reformatórios, jornais e sátiras hospitalares.
V - Dantas faz uma divisão em nove categorias e descreve-as:
a) Anacronismo. Regressão - A mente de um paranóico é um regresso aos antepassados ancestrais e de si mesmo. Sistematizações arcaicas aplicadas como sistematizações superficiais com origem na ignorância.
b) Simbolismo, Alegoria - Os loucos são primitivos, demonstram-no por exemplo na obsessão pelo religioso e na ressurreição arcaica das histórias dos príncipes e dos réis. "A verdadeira característica da regressão paranóica não é a escolha do motivo obsoleto; é o anacronismo da maneira, da intenção, do processo, da técnica, o recuo da visão estética, do sentimento da cor e do sentimento da forma, todo esse ar de manifesta primitividade que faz regressar de muitos séculos a arte."
c) Simetria - Quanto menor é a inteligência de um doente maior é a tendência para a simetria
d) Cromofilía - Os pacientes muitas vezes desenham pequenas figuras geométricas simplesmente pelo prazer de as colorir. Muitas vezes procuram a intensidade do colorido, buscando a violência, a cracocromia. É comum recortarem papel de cor e colar no desenho.
e) Auto-reprodução somática - Os artistas loucos estigmatizam sempre as suas características, reproduzindo-se a si mesmo nos seus trabalhos.
f) Onomatopoiése, neologismo - O calão, a gíria criminal, a gíria dos malandros é usada também pelos paranóicos, maníacos, epilépticos e criminosos natos. Falta um estudo do calão popular em Portugal
g) Incoerência - Muitos dos documentos escritos são criados sem uma lógica, a repetição é bastante comum, a mistura de diversos contextos, linguagem fragmentaria, grotesca. Por vezes o paciente cria uma gíria individual descrevendo as suas alucinações ou ideias, um verdadeiro «calão
paranóico», que torna ás vezes difícil a interpretação dos seus documentos.
h) Erro egocêntrico - Interpretação errada do exterior, perverte e deforma o mundo circundante face ao seu ego. Daí o estranho e monstruoso das criações do paranóico, quando referidas ao seu sistema delirante.
i) viciações epilépticas - Júlio Dantas reforça a ideia de que não há um sequer génio neste hospital psiquiátrico, descrevendo as características negativas.
VI - Todas as características anteriormente referidas podem ser vistas nalguns dos nossos pintores e poetas mais altamente cotados. É a arte decadente a que mais pontos de contacto oferece com a arte manicomial. É preciso mostrar à crítica a arte manicomial, para que a arte sã evite os seus defeitos para poder educar a grande massa que não sente, nem pensa por si.
I - A ideia de fazer esta monografia surgiu ao autor ao observar a colecção de Miguel Bombarda em Rilhafoles, influenciado por um artigo de 1989 de um psiquiatra americano chamado Ales Hrdlicka. Considera que a loucura sempre fez parte da história de Portugal inclusive de Reis e Rainhas, defendendo que para um crítico de arte é necessário conhecer a arte dos manicómios para a diferenciar da arte oficial.Para o autor embora sendo uma arte menor, a arte dos loucos tem uma grande importância para a psiquiatria, pois os doentes ao não conseguirem exteriorizar o seu sistema delirante através de uma comunicação verbal, pode-no exteriorizar através duma pintura ou de uma carta.
II - É reforçada a ideia de que a colecção de Rilhafoles em geral é bastante vulgar, com valor estético mínimo ou nulo, o grande valor é exclusivamente psiquiátrico. São os delírios e as alucinações transportados para o papel que originam estes documentos plásticos. Tal como a paranóia que alastra para fora dos muros dos "manicómios e alastra, cá por fora, dando os revolucionários, os anarquistas, os malucos, os santos, e toda essa galeria de figuras de cera da literatura e da arte decadente, a que é de uso chamar simbolistas, místicos, neo-goticos, bizantinos, pré-rafaelitas, e vários outros nomes de gíria bárbara criados com pior ou melhor fortuna pelos pseudo-génios da Dissolução."
III - A paranóia é a única raça de loucura compatível com a vida social, sendo a decadência artística o primeiro sinal da fraqueza de um povo e o início do fim de uma raça.
IV - Em Rilhafoles há muito mais pintores que grafómanos, pois predominam os analfabetos. O autor prossegue valorizando alguns dos artistas loucos. Os grafómonos exprimem-se através de várias técnicas: autobiografias, cartas eróticas, folhetos reformatórios, jornais e sátiras hospitalares.
V - Dantas faz uma divisão em nove categorias e descreve-as:
a) Anacronismo. Regressão - A mente de um paranóico é um regresso aos antepassados ancestrais e de si mesmo. Sistematizações arcaicas aplicadas como sistematizações superficiais com origem na ignorância.
b) Simbolismo, Alegoria - Os loucos são primitivos, demonstram-no por exemplo na obsessão pelo religioso e na ressurreição arcaica das histórias dos príncipes e dos réis. "A verdadeira característica da regressão paranóica não é a escolha do motivo obsoleto; é o anacronismo da maneira, da intenção, do processo, da técnica, o recuo da visão estética, do sentimento da cor e do sentimento da forma, todo esse ar de manifesta primitividade que faz regressar de muitos séculos a arte."
c) Simetria - Quanto menor é a inteligência de um doente maior é a tendência para a simetria
d) Cromofilía - Os pacientes muitas vezes desenham pequenas figuras geométricas simplesmente pelo prazer de as colorir. Muitas vezes procuram a intensidade do colorido, buscando a violência, a cracocromia. É comum recortarem papel de cor e colar no desenho.
e) Auto-reprodução somática - Os artistas loucos estigmatizam sempre as suas características, reproduzindo-se a si mesmo nos seus trabalhos.
f) Onomatopoiése, neologismo - O calão, a gíria criminal, a gíria dos malandros é usada também pelos paranóicos, maníacos, epilépticos e criminosos natos. Falta um estudo do calão popular em Portugal
g) Incoerência - Muitos dos documentos escritos são criados sem uma lógica, a repetição é bastante comum, a mistura de diversos contextos, linguagem fragmentaria, grotesca. Por vezes o paciente cria uma gíria individual descrevendo as suas alucinações ou ideias, um verdadeiro «calão
paranóico», que torna ás vezes difícil a interpretação dos seus documentos.
h) Erro egocêntrico - Interpretação errada do exterior, perverte e deforma o mundo circundante face ao seu ego. Daí o estranho e monstruoso das criações do paranóico, quando referidas ao seu sistema delirante.
i) viciações epilépticas - Júlio Dantas reforça a ideia de que não há um sequer génio neste hospital psiquiátrico, descrevendo as características negativas.
VI - Todas as características anteriormente referidas podem ser vistas nalguns dos nossos pintores e poetas mais altamente cotados. É a arte decadente a que mais pontos de contacto oferece com a arte manicomial. É preciso mostrar à crítica a arte manicomial, para que a arte sã evite os seus defeitos para poder educar a grande massa que não sente, nem pensa por si.
Etiquetas:
Arte Bruta/ Naif/ Outsider,
Ruptura Visual,
Texto e Letra
4º Capítulo do livro Pintores e Poetas de Rilhafolhes de Júlio Dantas
I. — A. G., 3o anos. Pintor decorador. Euricefalo. Índice cefálico : 78,2 (15,8— 20.2). Orelhas de lóbulo aderente ; disposição anómala das raízes da crura furcata (tipo Stahl). Pupilas iguais, mioticas, não se movendo á acomodação e movendo-se á luz. Convulsões fibrilares ligeiras nos lábios e massetéres. Tremor episódico das extremidades. Embaraço da palavra. Nível intelectual bastante descido. Insuficiência ética e estética. Amnésia. Preso várias vezes por atentados públicos ao pudor. Entrada para Rilhafoles em 1894.
Diagnostico: demência paralítica — Curso de artes decorativas em Paris. Trazia os quadros debaixo do braço, mostrava-os a quem quer que fosse, e pedia, á queima roupa, dez tostões emprestados. Era a fórmula clássica do encosto. Agarrava-se na rua, violentamente, ás mulheres, forçando-as a acompanhá-lo. Hiperestesia sexual expressa nos próprios motivos picturais. Mais tarde, floração de um delírio de grandezas de colorido inventório, perfeitamente documentado num folheto de sua lavra que consegui obter e no gráfico de um dos seus inventos, o «motor eléctrico de vácuo», que existe na collecção de Rilhafoles. O folheto intitula-se : As mulheres desmascaradas, estudo do natural por A G., o qual demonstra que o espirito tem uma mecânica especial á qual obedece e de que o corpo é o mais fiel interprete. A sua publicação data de 1886. É um apontoado de incoerências, em que o doente, do alto duma charra erudição que sôa a prata falsa, se arroga, como grande filósofo, a descoberta de certo instínto magnético psicológico das fêmeas, a qual constitue, escreve o autor, uma das maiores descobertas d'este século (pág.18). A história deste folheto está, de resto, ligada a um desastre conjugal. — Mas o que especialmente nos interessa, no doente, é a parte pictural da documentação. A. G., que era, segundo informações colhidas, um medíocre pintor decorador, quasi improdutivo, desentranhou-se, com os pródromos da périencefalite, num nunca acabar de figuras decorativas, de motivos ornamentais, de projetos de fontes e piscinas, tudo dado em belos gouaches, cujas principais características são a riqueza poética, o colorido sensual da criação, a exuberância imaginativa, a feição sempre nova e sempre imprevista dos motivos. O inicio da cerebropatia é, muitas vezes, a idade d'oiro do paralítíco artista, — o que se não deve estranhar dada, no período de excitação da paralísia, a maior intensidade na reprodução das representações e, por conseguinte, o acréscimo de força imaginativa. Mas, observando mais cuidadosamente os documentos do doente, não tardamos em descobrir a nota vesânica a par desse falso brilho e dessa notável riqueza poética. De feito, o instinto da academia perde-se ; as proporções desaparecem : a figura humana toma um ar caricatural. O motivo decorativo torna-se grotesco, barroco, quase monstruoso por fragmentos, conservando-se rico mas relativamente puro no resto da obra : daí o desequilíbrio que logo á primeira vista fere o observador. O documento ganha em riqueza imaginativa o que perde em valor estético absoluto. Outro facto que desde logo impressiona na observação superficial é a insistência do doente sobre os mesmos motivos : trechos de fontes ornamentais, nús míticos, figuras semicápras, brutescos, mascaróes, gárgulas. Esta insistência parece-me própria de todo o vesanico. — Ultimamente, o nosso paralítico já nada produz. Grande indiferença. Inteira derrocada dos sentimentos estéticos. Lapsus memoriae : de alguns gouaches que lhe mostro já não se lembra de que foi elle o autor.
Diagnostico: loucura alcoólica.- Não consegui obter os antecedentes artísticos do doente. Os documentos que deixou, largos estudos a pastel, são, apesar duma certa dureza, excelentemente executados. Sente-se ali o artista, o profissional. A maior parte dos pastéis está inacabada. Pela sua natureza especial pouco interessam ao psiquiatra. São paisagens e marinhas, realizadas com um inteiro conhecimento da técnica, duma feitura paciente, e onde a custo se enxerga a nota vesânica. Um deles, de execução manicomial, já é mais eloquente: uma grande àrvore nua, tronco torso e rugoso, esbracejando num céu doirado de sol e prenhe de pastadas roxas. Semelhante estudo, evidentemente feito de cor, traz uma manifesta monstruosidade. A imaginação que produziu esse tronco brutal, esbrazeado e torcido, é bem a imaginação dum louco. — Ao cabo dum período de improdução, o doente sai, no mesmo estado.
III. — F. A. d'A., 28 annos. Cocheiro. índice cefálico 78,0 (14,9—9,i)- Platicefalo. Lóbulos da orelha
aderentes; helix desdobrada. Nariz inclinado,de bordo irregular : perfil seguindo o da fronte, sem reentrância. Abóbada palatina ogival. Osso transversal do crâneo fortemente convergente, de maneira que a parte superior faz um ângulo, pouco mais de recto, com os ramos laterais. — Reservado, evidentemente dissimulador. Alucinações do ouvido. Esboço de idéas persecutórias em período de pré-sistematização. Supostas perseguições, lá fora, levando-o a agressões. Condenado a quatro meses de Limoeiro por ferimentos. Em Rilhafoles teve uma balanopostite que supoz venéreo inoculado por um criado: daí, agressão. —
Diagnostico : paranóia primitiva com delírio de perseguições. — Foi só depois de internado em Rilhafoles que se manifestaram as tendências artísticas do doente. Essa floração, devida por certo á intimidade do epiléptico P.R., seu mestre (obs. IV) começou bruscamente por umas largas composições de carácter religioso, sobre tudo figuras de santos e cenas do Novo Testamento. Entre as mais interessantes aparecem-nos um S. Pedro Romano, uma Ceia apostólica, um S. Lucas e um S. Joaquim. Pela primitividade das atitudes e das perspectivas, pela índole mística dos motivos, pelo excessivo culto das roupas, sempre exaradas e sempre anacrónicas, pelo ar convencional e velhorro dos movimentos e dos gestos, pelo carácter geral da composição, enfim, as pinturas do nosso paranóico sugerem, ainda que Ionginquamente, alguns góticos piores das Janelas Verdes. A semelhança chega a ser ás vezes tão flagrante, que essas figuras de santo, apesar de inegavelmente originais, parecem á primeira vista copias dos «primitivos». Tanto mais essa
ideia nos acode, quanto é certo que há nas tentativas do doente um forte instinto da composição, da côr e da atitude, verdadeiramente extraordinário tratando-se dum louco sem anterior cultivo. O carácter de primitividade não vem, por conseguinte, do tosco das figurações; mesmo porque, nesse caso, todas as figuras criadas pelo louco não artista nos lembrariam a primitividade dos góticos. Há. necessariamente, mais alguma coisa nas pinturas do paranóico que nos ocupa, e essa alguma coisa poderia, se quiséssemos teorizar, lançar-se á conta da própria paranóia, como expressão dum forte anacronismo. Outra coisa a notar é a independência pouco vulgar entre as tentativas picturais do doente e o conteúdo das suas ideias delirantes, facto talvez devido ao estado de pré-sistematização dessas ideias. — Uma nota curiosa: os documentos do nosso «primitivo» teem, todos eles, assinaturas e ofertórios charros do epiléptico P. R., grafómano e borrador incorrigível, que deles dispõe a bom talante, como feitura sua. Dai, a natural confusão que á primeira vista pode existir entre a documentação dum e doutro.
Diagnóstico: loucura epiléptica. — Grande soma de documentos, ao mesmo tempo picturais e escritos. Em todos eles. a expressão dum profundo estado crepuscular. Feitio hipócrita; geitos de tartufo; mímica grotesca. Motivos documentais quasi sempre religiosos : altares com sacrários, tocheiros e cruzes, conseguidos pela abusiva colagem de papel doirado ; ás margens, figuras estupendas, mulheres esmamaçadas, verónicas, vasos de oiro, animais fabulosos, e no verso, escrito em latim lazerado, o Tantum ergo. Uma das suas composições mais interessantes é o Dia de Natal: a Virgem, de uberes á mostra, um jumento evangélico, ao alto uma grande máscara de papel doirado figurando o sol, e nos baixos, em chão verde, três pastores de cabras com estes dizeres : « Vamos vêr o menino de S. José e Nossa Senhora, ho rapaseko ! Sim, que é Jesus, filho de Nosso pai Eterno? A Belém e mostremos-lhe o gado.» Este documento dá bem a medida do estado crepuscular do doente. Escusado dizer que,pelo lado pictural, como execução, o valor é nulo. Observação curiosa: todas as cabeças humanas que o doente figura, todas as suas verónicas, são volumosas na face e acanhadas no crâneo, parecendo, dum modo canhestro, é claro, reproduzir-lhe a estigmatização somática. Mas a principal obra deste curioso epiléptico é uma brochura manuscrita, iluminada pelo próprio doente, e que dá pelo nome de «Método das Principais Artes Universais». É, como o titulo indica, um tratado das várias artes e ofícios, começando pelos trabalhos da lavoura e terminando pela «arte barbeiral». O doente, como já dissemos, pretende uma cadeira para reger e quer que esta e outras obras de sua lavra sejam adoptadas nas escolas. De vez em quando escreve ao rei de Itália pedindo a adopção dos seus livros nas escolas primarias italianas —Ultimamente
tem insistido nos motivos litúrgicos, na figuração de objectos do culto externo, com as mesmas abusivas colagens de papel doirado, pejando largos cartões que envia depois, em ofertórios cheios de diminutivos melosos, «ao seu amado Director que o curou dos acidentezinhos epilépticos (sic).»
V. — C. A. das N.. 20 anos. Asilado. índice cefálico 76,0 (14,6—19,2). Fronte fugidia. Abóbada palatina funda. Por várias vezes, a fulguração sagrada, Agressões aos empregados. Tentativas de evasão.
Diagnóstico: loucura epiléptica —Documentação pictural unicamente curiosa pela insistência nos mesmos motivos — figuras aladas, objectos domésticos vulgares, animais repugnantes — e pela impropriedade na distribuição da côr, dando em resultado uma perfeita cacocromia : bois verdes, osgas vermelhas... De quando em quando, figurações simbólicas incompreensíveis, que o doente se nega a explicar. Estado demencial.
VI. — J, A., (o caldeireiro), 22 anos. Acrocefalo. Índice cefálico 77,0 (13,7 — 17,8).Crâneo ogival. Fronte estreita. Pelada. Paludismo: splenomegalie. Gagueira. Mãe alienada. Fulguração não observada mas acusada pelo doente. Nível intelectual baixo. Feitio epiléptico: "vossa excelentíssima, vossa reverendíssima..." Reclusão penitenciaria.
Diagnóstico: loucura epiléptica. - Documentos curiosíssimos. Versos escritos à feição de prosa, numa ortografia detestável porque o doente é um inculto, palavras separadas por pontos, abuso de maiúsculas. Reduzindo alguns desses manuscritos a uma forma legível enxergam-se alguns conceitos poéticos que vale a pena transladar, e tanto mais interessantes quanto é certo tratar-se dum degenerado quase analfabeto, que deve as suas únicas luzes á educação penitenciaria :
Estes versos, assim tornados legíveis, são dum intenso sabor popular e traduzem conceitos líricos que muitos poetas cultos não desdenhariam. Há neles um largo instinto do ritmo. É bem a mesma poesia que, entre falantes, criminosos-natos e coloris de cachimbo, arranhando a bânzara nas velhas baiucas, produziu um dia esse eterno e precioso Fado!
VII — F. O. e V., .54 anos. Formado em matemática pela Universidade de Coimbra (?). Entrada para Rilhafoles em 1872 e saída, no mesmo estado, em 1894. A papeleta nada refere sobre antecedentes hereditários e sobre estigmatisação somática. Diagnostico: paranóia primitiva com delírio de grandezas. — Delírio por assim dizer nobiliárquico. Deixou-nos, numa preciosa documentação pictural e escrita,a história do seu sistema delirante. O que mais interessante nos parece, nessa documentação, é a feição quase exclusivamente heráldica das ideias do doente. Desfia a sua história genealógica que remonta á dinastia dos Faraós e illumina-a pela figuração heráldica. No topo das folhas em que escreve, pinta, á feição de timbre, três flores de liz em campo azul. Ele mesmo descreve esse timbre: «... a esfera o Universo corada de azul celeste com as três flores de liz de oiro chama- se França real e imperial. . . O coxim da coroa é rematado de flores de liz de ouro de menor altura do que um terço do raio correspondendo as competentes quatro em cada uma das generatrizes quer ortogonais quer obliquas...» A geometria posta, como se vê, ao serviço da heráldica. Perguntado sobre os motivos que o levavam a usar as armas de França, responde: «... uso-as em virtude de eu representar os direitos e Acções de meu pai Luiz XVII, que os testou todos a meu favor. . .» E mais adiante : " Outras representações ainda possuo de François de Valoys, duque de Alençon, que é a equivalência primeira e principal das armas de França...» Quando a documentação histórica falece e para que não haja duvidas sobre a autenticidade dos seus direitos ao uso de tal ou tal símbolo heráldico, recorre á resolução pelo calculo da forma geométrica dos escudos. Mas o que sobre tudo nos interessa, neste paranóico, é a exteriorização pictural do seu sistema. Os seus manuscritos estão semeados de figurações incompreensíveis e extravagantes, sereias de seios inverosímeis e caudas escamosas, brasões d'arnias atropelando toda a heráldica, divisas em latim: «Nec Pluribus Impar», «Ascendo, non Descendo»,— esferas consteladas, coroas reais fechadas com figuras alegóricas no topo das cruzes, «os santos patriarcas segurando com uma das mãos o escudo brasonado e com a outra a lira d'ouro. . .», monstros heráldicos de escamas verdes, uma multidão, enfim, de expressões nobiliárquicas figuradas, que são, por assim dizer, a materialização do sistema delirante do nosso paranóico. A tendência para o símbolo, já de si característica da paranóia, sobrepõe-se, neste curiosíssimo caso, a feição heráldica e por conseguinte aqui-símbolica do conteúdo das ideias delirantes. O doente era um megalómano grave, um megalómano erudito. As suas ideias de grandeza limilavam-se a locubraçóes genealógicas e á feitura de símbolos nobiliárquicos. No hospital, durante o seu internato, não tomava atitudes , nem fazia exibições decorativas : não apresentava a espectaculosidade de tantos outros delirantes ambiciosos (caso Barreirinha). Ás vezes, levado pela sua tendência heráldica a descrever pedras de armas que existiriam sobre os portais de moradas suas, mete-se pela arquitectura. Falando de certo palácio da rua do Bispo (Funchal) classifica-o de «ordem lusa, caracterizada pelos losangos (sic) que ornam as bases das colunas.» Descrevendo a casa de Colombo e figurando-a, diz: «... mostra a figura que o edifício é de ordem coríntía caracterizada pelos seus distintivos, as folhas de acanto...» Tudo aproveita e em tudo encontra relações com o seu sistema delirante (carácter egocêntrico): uma inscrição, um portal, um documento lido algures num tombo. De resto, coisa relativamente rara, não se defendia. «E um espirito muito simples, escreve o prof. Bombarda numa nota da papeleta, que comunica ao primeiro que apareça a larga soma das suas ideias grandiosas.» A nota mais repetida em todos os documentos é a da pretensão á coroa de França. Julga-se filho de Luiz XVII. A certa altura abre um parêntesis no seu delírio para fazer a história das suas dentições.
Diagnostico : paranóia primitiva com delírio de grandezas. — O doente deixou um manuscrito deveras curioso que, ao menos pelo lado gráfico, muito interessa ao psiquiatra. Cada folha abre ao topo por dois ou três versos, de natureza evidentemente lírica, mas incompletos, incoerentes, sem métrica e ás vezes ilegíveis:
floreando e iluminando as capitães, e metendo de permeio figurações simbólicas. Estas viciações são absolutamente características do documento escrito de todo o paranóico.
IX. — L. d'A. P., 34 anos. Microcefalia. Avó materna: acidentes nervosos. Uma colateral beata. O doente, segundo informações da mãe, fugia de casa e passava a vida nas igrejas.
Diagnóstico: idiotismo. — Grandes desenhos lineares, formados de elementos ordenados simetricamente, dando a impressão de mosaico, e que o doente executa só pelo prazer de colorir. Algumas dessas estranhas figurações geométricas, séries de rectângulos, losangos e trapézios diversamente dispostos, são, segundo o dizer do nosso microcéfalo, salões, praias e prédios. Forte cromofília.
X. — A. P. D., 55 anos. Índice cefálico 76,7 (14,3-18,7). Orelhas mal modeladas, sobre tudo a direita, e assimétricas (tipo Blainville). Herança do lado materno. Ideias de perseguição sistematizadas. Interpretação falsa de factos mesmo insignificantes. Ilusões várias. Reserva.
Diagnóstico: paranóia primitiva com delirio de perseguições. —Exteriorisação do sistema pelo documento escrito. Gráfica vertiginosa. Figurações simbólicas substituindo ás vezes as palavras. Abuso de itálicos, de parágrafos. Mudança constante do tipo de letra; locuções repetidas; impropriedade de pontuação; disfrásia. Interpretação egocêntrica de todos os factos. Vocábulos ingleses, franceses, portugueses, alemães: confusão
sintaxica. (Veja-se o autografo da pag. seguinte).
XI. — A. P. C, 54 annos. índice cefálico 78,0 (14,4-18,3). Face assimétrica. Abóbada palatina funda. Tremores fibrillares ataxiformes da língua, lábios, massetéres. Tremulação das mãos. Complexidade de formas delirantes sucedendo-se por largo tempo sem qualquer fio de ligação lógica. Delírio esboçado desde a infância, desenvolvendo-se na puberdade. Alucinações visuais referentes a essa época: visão dum anjo de rosto nobre e formoso, cabelos longos e esparsos, vestido talar cor de rosa aparecendo por detrás «duma amendoeira florida e jocunda, da coma ao tronco». Mais tarde (1881) tinha o doente 38 anos, irrompe a paranóia persecutória. Três anos depois, eclosão dum delírio inventorio: supõe ter descoberto a direcção dos balões; espalha pelas taceiras dos livreiros projectos e gráfícos. Finalmente (1891) aparecem ideias eróticas. O «anjo da amendoeira» resurge, mas desta vez o doente reconhece-o: é a Rainha. O delírio fixa-se, sistematiza-se. Escreve á Rainha; ameaça o Rei. Apreensão de cartas; prisão; reclusão hospitalar. O doente defende-se, dissimula, nega: mais depressa, uma carta sequestrada dá a chave do delírio. Diagnóstico : paranóia originária com delírio ambicioso de colorido erótico; episodicamente, ideias de perseguição e ideias inventorias.—O presente caso deu margem a um belo estudo do professor Bombarda sobre essa forma degenerativa há anos fixada por Sander. É pelos traslados desse excelente estudo que eu conheço dois folhetos feitos publicar pelo doente. O primeiro intitula-se : «O meu pacto com o diabo ou a primeira metade» ; o segundo: «O meu anjo redemptor ou a outra metade» Parecem suceder-se nos folhetos, nota o meu ilustre mestre, as duas formas de perseguição e de grandeza do delírio crónico de gerente, a primeira correspondendo ao período que vai desde 1880 a 90 e a segunda ao período que decorre desde 1890 até hoje (1900). A notar, no primeiro folheto, a Índole especial e por assim dizer mediéva do delírio persecutório: ideias demoníacas, pactos com o diabo, etc. O segundo folheto, esse, é por assim dizer a integração da figura da Rainha no símbolo adolescente do "anjo da amendoeira». Estes documentos são realmente muito interessantes. Grande poder imaginativo. Qualidades literárias dignas de nota. Tendências simbólicas. Erro egocêntrico. Certos efeitos poéticos, certos descritivos, são talvez a expressão de ilusões sensoriais. Palavras sublinhadas, justamente as que o doente mais valoriza: «imendoeira», «poço», «fórmulas», «golgotha »... O colorido erótico das suas ideias ambiciosas está expresso num grande número de cartas, que constituem uma documentação excepcionalmente rica. As últimas, muito posteriores ao já referido estudo do prof. Bombarda, espiritualizam, bisantinisam ainda mais as suas relações com a R.: tuteando- a ainda, trata-a agora de «irmã» Refunde a sua memória sobre o balão dirigível e envía-lha (Janeiro, 1900) acompanhada duma carta onde se lêem os seguintes períodos: "Desta preciosíssima jóia, que por sua valia e beleza constitui a maior maravilha do mundo, faço-te eu, de joelhos, propriedade absoluta e perpétua, a ti, minha excelsa soberana..." E mais adiante: «Eis, minha santa e querida irmã, o mimo que, por minhas mãos, Deus te oferece... .» Por ultimo, empraza a R. para Paris e despede-se «até á gloria». Nesta carta dá como «restaurado o balão, causa inocente de um grande martírio e da mais formidável revolução que se tem feito na terra...» As ideias eróticas, inventórias e de perseguição, fixam-se, integram-se e sistematizam-se num delírio único, completando-se e explicando-se reciprocamente.
XII. — A. P. de L., 21 anos. Escriturário de fazenda, índice cefálico 76,2 (14,4-18,9). Orelha direita mal modelada: assimetria. Rebordos orbitários salientes. Crânio alongado e acuminado no extremo occipital. Estrabismo divergente. Estreitamento do campo visual. Meia anestesia nos últimos segmentos do membro inferior. Vestígios de limfatismo. Perturbações vaso-motrizes tendo a sua principal sede na extremidade cefálica : fácil congestionamento da face. Preso por subtracção fraudulenta. Um passado de vagabundagem, de excessos sexuais, de ociosidade. Ataques epilepioides. É discursador, balofo, egoísta, d'uma ..infatuação meio imbecil».
Diagnostico: loucura moral. Este caso deu ao ilustre prof Bombarda um dos seus estudos medico-legais. — Encontro na documentação do doente um manuscrito de "Pensamentos", forgicado numa linguagem
de colorido arqui-rétorico, pastosa, empolada, prenhe de velhas alegorias "...a bandeira da honra cahindo na lama dos vícios", "O templo da inocência", " . . .em letras doiro os segredos de Orpheu", etc. De repente descamba na escurrilidade, para de novo se erguer em lastimas e imprecações contra «a mulher vaidosa que o levou ás trevas da desonra...' Palavras de penitencia, sentimentalidades declamatórias, versos de permeio, e de vez em quando um certo ar dogmático: "Sabei ! nem a mulher nem o ouro constituem a felicidade do coração humano". De espaço a espaço, como nos escritos do paranóico, figurações simbólicas substituindo as palavras. Mudança vulgar do tipo de letra. Abuso de capítulos.
Diagnostico: demência paralítica — Curso de artes decorativas em Paris. Trazia os quadros debaixo do braço, mostrava-os a quem quer que fosse, e pedia, á queima roupa, dez tostões emprestados. Era a fórmula clássica do encosto. Agarrava-se na rua, violentamente, ás mulheres, forçando-as a acompanhá-lo. Hiperestesia sexual expressa nos próprios motivos picturais. Mais tarde, floração de um delírio de grandezas de colorido inventório, perfeitamente documentado num folheto de sua lavra que consegui obter e no gráfico de um dos seus inventos, o «motor eléctrico de vácuo», que existe na collecção de Rilhafoles. O folheto intitula-se : As mulheres desmascaradas, estudo do natural por A G., o qual demonstra que o espirito tem uma mecânica especial á qual obedece e de que o corpo é o mais fiel interprete. A sua publicação data de 1886. É um apontoado de incoerências, em que o doente, do alto duma charra erudição que sôa a prata falsa, se arroga, como grande filósofo, a descoberta de certo instínto magnético psicológico das fêmeas, a qual constitue, escreve o autor, uma das maiores descobertas d'este século (pág.18). A história deste folheto está, de resto, ligada a um desastre conjugal. — Mas o que especialmente nos interessa, no doente, é a parte pictural da documentação. A. G., que era, segundo informações colhidas, um medíocre pintor decorador, quasi improdutivo, desentranhou-se, com os pródromos da périencefalite, num nunca acabar de figuras decorativas, de motivos ornamentais, de projetos de fontes e piscinas, tudo dado em belos gouaches, cujas principais características são a riqueza poética, o colorido sensual da criação, a exuberância imaginativa, a feição sempre nova e sempre imprevista dos motivos. O inicio da cerebropatia é, muitas vezes, a idade d'oiro do paralítíco artista, — o que se não deve estranhar dada, no período de excitação da paralísia, a maior intensidade na reprodução das representações e, por conseguinte, o acréscimo de força imaginativa. Mas, observando mais cuidadosamente os documentos do doente, não tardamos em descobrir a nota vesânica a par desse falso brilho e dessa notável riqueza poética. De feito, o instinto da academia perde-se ; as proporções desaparecem : a figura humana toma um ar caricatural. O motivo decorativo torna-se grotesco, barroco, quase monstruoso por fragmentos, conservando-se rico mas relativamente puro no resto da obra : daí o desequilíbrio que logo á primeira vista fere o observador. O documento ganha em riqueza imaginativa o que perde em valor estético absoluto. Outro facto que desde logo impressiona na observação superficial é a insistência do doente sobre os mesmos motivos : trechos de fontes ornamentais, nús míticos, figuras semicápras, brutescos, mascaróes, gárgulas. Esta insistência parece-me própria de todo o vesanico. — Ultimamente, o nosso paralítico já nada produz. Grande indiferença. Inteira derrocada dos sentimentos estéticos. Lapsus memoriae : de alguns gouaches que lhe mostro já não se lembra de que foi elle o autor.
Uma Gouache» do paralytico geral A. G. (Obs I)
Retrato do epiléptico P. R. feito pelo paralytico geral A. G.
II. — J. M., 35 anos. Pintor decorador. Temperamento nervoso. Constituição forte. índice cefálico 74,4(14,8—10.9). Orelhas de lóbulo aderente. Grande desigualdade da face : lado esquerdo muito mais volumoso do que o direito. Grande reentrância nasofrontal — A entrada para Rilhafoles, esboço de ideias de perseguição, preocupações hipocondriacas : está podre por dentro, etc. Confissão de hábitos alcoólicos e de excessos masturbatórios. Ideias de suicídio. Tentativa de precipitação de lugar elevado (Janeiro, 1900); tinha na algibeira um papel onde se lia «aqueles que eu supus serem-me caros foram os meus traidores. Resignem-se agora."Diagnostico: loucura alcoólica.- Não consegui obter os antecedentes artísticos do doente. Os documentos que deixou, largos estudos a pastel, são, apesar duma certa dureza, excelentemente executados. Sente-se ali o artista, o profissional. A maior parte dos pastéis está inacabada. Pela sua natureza especial pouco interessam ao psiquiatra. São paisagens e marinhas, realizadas com um inteiro conhecimento da técnica, duma feitura paciente, e onde a custo se enxerga a nota vesânica. Um deles, de execução manicomial, já é mais eloquente: uma grande àrvore nua, tronco torso e rugoso, esbracejando num céu doirado de sol e prenhe de pastadas roxas. Semelhante estudo, evidentemente feito de cor, traz uma manifesta monstruosidade. A imaginação que produziu esse tronco brutal, esbrazeado e torcido, é bem a imaginação dum louco. — Ao cabo dum período de improdução, o doente sai, no mesmo estado.
III. — F. A. d'A., 28 annos. Cocheiro. índice cefálico 78,0 (14,9—9,i)- Platicefalo. Lóbulos da orelha
aderentes; helix desdobrada. Nariz inclinado,de bordo irregular : perfil seguindo o da fronte, sem reentrância. Abóbada palatina ogival. Osso transversal do crâneo fortemente convergente, de maneira que a parte superior faz um ângulo, pouco mais de recto, com os ramos laterais. — Reservado, evidentemente dissimulador. Alucinações do ouvido. Esboço de idéas persecutórias em período de pré-sistematização. Supostas perseguições, lá fora, levando-o a agressões. Condenado a quatro meses de Limoeiro por ferimentos. Em Rilhafoles teve uma balanopostite que supoz venéreo inoculado por um criado: daí, agressão. —
Diagnostico : paranóia primitiva com delírio de perseguições. — Foi só depois de internado em Rilhafoles que se manifestaram as tendências artísticas do doente. Essa floração, devida por certo á intimidade do epiléptico P.R., seu mestre (obs. IV) começou bruscamente por umas largas composições de carácter religioso, sobre tudo figuras de santos e cenas do Novo Testamento. Entre as mais interessantes aparecem-nos um S. Pedro Romano, uma Ceia apostólica, um S. Lucas e um S. Joaquim. Pela primitividade das atitudes e das perspectivas, pela índole mística dos motivos, pelo excessivo culto das roupas, sempre exaradas e sempre anacrónicas, pelo ar convencional e velhorro dos movimentos e dos gestos, pelo carácter geral da composição, enfim, as pinturas do nosso paranóico sugerem, ainda que Ionginquamente, alguns góticos piores das Janelas Verdes. A semelhança chega a ser ás vezes tão flagrante, que essas figuras de santo, apesar de inegavelmente originais, parecem á primeira vista copias dos «primitivos». Tanto mais essa
ideia nos acode, quanto é certo que há nas tentativas do doente um forte instinto da composição, da côr e da atitude, verdadeiramente extraordinário tratando-se dum louco sem anterior cultivo. O carácter de primitividade não vem, por conseguinte, do tosco das figurações; mesmo porque, nesse caso, todas as figuras criadas pelo louco não artista nos lembrariam a primitividade dos góticos. Há. necessariamente, mais alguma coisa nas pinturas do paranóico que nos ocupa, e essa alguma coisa poderia, se quiséssemos teorizar, lançar-se á conta da própria paranóia, como expressão dum forte anacronismo. Outra coisa a notar é a independência pouco vulgar entre as tentativas picturais do doente e o conteúdo das suas ideias delirantes, facto talvez devido ao estado de pré-sistematização dessas ideias. — Uma nota curiosa: os documentos do nosso «primitivo» teem, todos eles, assinaturas e ofertórios charros do epiléptico P. R., grafómano e borrador incorrigível, que deles dispõe a bom talante, como feitura sua. Dai, a natural confusão que á primeira vista pode existir entre a documentação dum e doutro.
A Ceia apostólica composição do paranóico F. A. d'A. (Obs III)
S. Pedro Romano, composição do paranóico F. A. d'A. (Obs. III)
IV. — J. P. R, 40 anos. Professor de instrução primária em Montemór-o- Velho. Acrocéfalo. Vesgo do olho direito. Formidável avanço do maxilar inferior. Extracto dos documentos de admissão: monomania incendiária, obscenidades, agressão. Pretende uma cadeira para reger. Estado demencial. Ataques epilépticos frequentes: o carácter muda então, de todo em todo; torna-se silencioso, desconfiado, irritável; o rosto apresenta-se túrgido. Luxação do maxilar inferior, por duas vezes reduções difíceis.Diagnóstico: loucura epiléptica. — Grande soma de documentos, ao mesmo tempo picturais e escritos. Em todos eles. a expressão dum profundo estado crepuscular. Feitio hipócrita; geitos de tartufo; mímica grotesca. Motivos documentais quasi sempre religiosos : altares com sacrários, tocheiros e cruzes, conseguidos pela abusiva colagem de papel doirado ; ás margens, figuras estupendas, mulheres esmamaçadas, verónicas, vasos de oiro, animais fabulosos, e no verso, escrito em latim lazerado, o Tantum ergo. Uma das suas composições mais interessantes é o Dia de Natal: a Virgem, de uberes á mostra, um jumento evangélico, ao alto uma grande máscara de papel doirado figurando o sol, e nos baixos, em chão verde, três pastores de cabras com estes dizeres : « Vamos vêr o menino de S. José e Nossa Senhora, ho rapaseko ! Sim, que é Jesus, filho de Nosso pai Eterno? A Belém e mostremos-lhe o gado.» Este documento dá bem a medida do estado crepuscular do doente. Escusado dizer que,pelo lado pictural, como execução, o valor é nulo. Observação curiosa: todas as cabeças humanas que o doente figura, todas as suas verónicas, são volumosas na face e acanhadas no crâneo, parecendo, dum modo canhestro, é claro, reproduzir-lhe a estigmatização somática. Mas a principal obra deste curioso epiléptico é uma brochura manuscrita, iluminada pelo próprio doente, e que dá pelo nome de «Método das Principais Artes Universais». É, como o titulo indica, um tratado das várias artes e ofícios, começando pelos trabalhos da lavoura e terminando pela «arte barbeiral». O doente, como já dissemos, pretende uma cadeira para reger e quer que esta e outras obras de sua lavra sejam adoptadas nas escolas. De vez em quando escreve ao rei de Itália pedindo a adopção dos seus livros nas escolas primarias italianas —Ultimamente
tem insistido nos motivos litúrgicos, na figuração de objectos do culto externo, com as mesmas abusivas colagens de papel doirado, pejando largos cartões que envia depois, em ofertórios cheios de diminutivos melosos, «ao seu amado Director que o curou dos acidentezinhos epilépticos (sic).»
V. — C. A. das N.. 20 anos. Asilado. índice cefálico 76,0 (14,6—19,2). Fronte fugidia. Abóbada palatina funda. Por várias vezes, a fulguração sagrada, Agressões aos empregados. Tentativas de evasão.
Diagnóstico: loucura epiléptica —Documentação pictural unicamente curiosa pela insistência nos mesmos motivos — figuras aladas, objectos domésticos vulgares, animais repugnantes — e pela impropriedade na distribuição da côr, dando em resultado uma perfeita cacocromia : bois verdes, osgas vermelhas... De quando em quando, figurações simbólicas incompreensíveis, que o doente se nega a explicar. Estado demencial.
VI. — J, A., (o caldeireiro), 22 anos. Acrocefalo. Índice cefálico 77,0 (13,7 — 17,8).Crâneo ogival. Fronte estreita. Pelada. Paludismo: splenomegalie. Gagueira. Mãe alienada. Fulguração não observada mas acusada pelo doente. Nível intelectual baixo. Feitio epiléptico: "vossa excelentíssima, vossa reverendíssima..." Reclusão penitenciaria.
Diagnóstico: loucura epiléptica. - Documentos curiosíssimos. Versos escritos à feição de prosa, numa ortografia detestável porque o doente é um inculto, palavras separadas por pontos, abuso de maiúsculas. Reduzindo alguns desses manuscritos a uma forma legível enxergam-se alguns conceitos poéticos que vale a pena transladar, e tanto mais interessantes quanto é certo tratar-se dum degenerado quase analfabeto, que deve as suas únicas luzes á educação penitenciaria :
«Vem vento, levanta a folha.
Na sepultura vai cair;
Bem alto é céu mas ninguém
Lá pode subir.»
«Dizem que o céu é baixinho
Ninguém lá pode chegar:
Inda não houve dinheiro
Para o comprar.»
«Um dia subi ao freixo,
Quebrei um galho e cai:
É a minha condição. .
.Nunca mais alto subi.»
«Há gente que quer ser sabia
E traz o saber guardado;
Mas não houve quem soubesse
Como o homem foi gerado.»
«O sol nasce no nascente
E ao poente se vai pôr:
Entra logo num sacrário
Onde está nosso Senhor.»
Estes versos, assim tornados legíveis, são dum intenso sabor popular e traduzem conceitos líricos que muitos poetas cultos não desdenhariam. Há neles um largo instinto do ritmo. É bem a mesma poesia que, entre falantes, criminosos-natos e coloris de cachimbo, arranhando a bânzara nas velhas baiucas, produziu um dia esse eterno e precioso Fado!
VII — F. O. e V., .54 anos. Formado em matemática pela Universidade de Coimbra (?). Entrada para Rilhafoles em 1872 e saída, no mesmo estado, em 1894. A papeleta nada refere sobre antecedentes hereditários e sobre estigmatisação somática. Diagnostico: paranóia primitiva com delírio de grandezas. — Delírio por assim dizer nobiliárquico. Deixou-nos, numa preciosa documentação pictural e escrita,a história do seu sistema delirante. O que mais interessante nos parece, nessa documentação, é a feição quase exclusivamente heráldica das ideias do doente. Desfia a sua história genealógica que remonta á dinastia dos Faraós e illumina-a pela figuração heráldica. No topo das folhas em que escreve, pinta, á feição de timbre, três flores de liz em campo azul. Ele mesmo descreve esse timbre: «... a esfera o Universo corada de azul celeste com as três flores de liz de oiro chama- se França real e imperial. . . O coxim da coroa é rematado de flores de liz de ouro de menor altura do que um terço do raio correspondendo as competentes quatro em cada uma das generatrizes quer ortogonais quer obliquas...» A geometria posta, como se vê, ao serviço da heráldica. Perguntado sobre os motivos que o levavam a usar as armas de França, responde: «... uso-as em virtude de eu representar os direitos e Acções de meu pai Luiz XVII, que os testou todos a meu favor. . .» E mais adiante : " Outras representações ainda possuo de François de Valoys, duque de Alençon, que é a equivalência primeira e principal das armas de França...» Quando a documentação histórica falece e para que não haja duvidas sobre a autenticidade dos seus direitos ao uso de tal ou tal símbolo heráldico, recorre á resolução pelo calculo da forma geométrica dos escudos. Mas o que sobre tudo nos interessa, neste paranóico, é a exteriorização pictural do seu sistema. Os seus manuscritos estão semeados de figurações incompreensíveis e extravagantes, sereias de seios inverosímeis e caudas escamosas, brasões d'arnias atropelando toda a heráldica, divisas em latim: «Nec Pluribus Impar», «Ascendo, non Descendo»,— esferas consteladas, coroas reais fechadas com figuras alegóricas no topo das cruzes, «os santos patriarcas segurando com uma das mãos o escudo brasonado e com a outra a lira d'ouro. . .», monstros heráldicos de escamas verdes, uma multidão, enfim, de expressões nobiliárquicas figuradas, que são, por assim dizer, a materialização do sistema delirante do nosso paranóico. A tendência para o símbolo, já de si característica da paranóia, sobrepõe-se, neste curiosíssimo caso, a feição heráldica e por conseguinte aqui-símbolica do conteúdo das ideias delirantes. O doente era um megalómano grave, um megalómano erudito. As suas ideias de grandeza limilavam-se a locubraçóes genealógicas e á feitura de símbolos nobiliárquicos. No hospital, durante o seu internato, não tomava atitudes , nem fazia exibições decorativas : não apresentava a espectaculosidade de tantos outros delirantes ambiciosos (caso Barreirinha). Ás vezes, levado pela sua tendência heráldica a descrever pedras de armas que existiriam sobre os portais de moradas suas, mete-se pela arquitectura. Falando de certo palácio da rua do Bispo (Funchal) classifica-o de «ordem lusa, caracterizada pelos losangos (sic) que ornam as bases das colunas.» Descrevendo a casa de Colombo e figurando-a, diz: «... mostra a figura que o edifício é de ordem coríntía caracterizada pelos seus distintivos, as folhas de acanto...» Tudo aproveita e em tudo encontra relações com o seu sistema delirante (carácter egocêntrico): uma inscrição, um portal, um documento lido algures num tombo. De resto, coisa relativamente rara, não se defendia. «E um espirito muito simples, escreve o prof. Bombarda numa nota da papeleta, que comunica ao primeiro que apareça a larga soma das suas ideias grandiosas.» A nota mais repetida em todos os documentos é a da pretensão á coroa de França. Julga-se filho de Luiz XVII. A certa altura abre um parêntesis no seu delírio para fazer a história das suas dentições.
Uma pagina do livro de heráldicas do paranóico F. O. de V. (Obs VII)
VIII. — L. M. e L., 20 anos. índice cefálico 78,9 (14,2-18,0). Crânio assímétrico. Orelhas em ansa. Delírio polimorfo de degenerado: grande poeta, grande músico, etc. Saudações lembrando o tique de Salaam. Pai alcoólico e suicida. Mãe histérica. Condenação por furto. Diagnostico : paranóia primitiva com delírio de grandezas. — O doente deixou um manuscrito deveras curioso que, ao menos pelo lado gráfico, muito interessa ao psiquiatra. Cada folha abre ao topo por dois ou três versos, de natureza evidentemente lírica, mas incompletos, incoerentes, sem métrica e ás vezes ilegíveis:
«Rasga o peito pomba celeste,
Pomba bella no brilho. . .
Pomba que foste bella,
Soffre »
As aliteraçóes e as insistências são vulgares. Daí até aos baixos da página o doente compraz-se na repetição das mesmas palavras em vários tipos de letra,floreando e iluminando as capitães, e metendo de permeio figurações simbólicas. Estas viciações são absolutamente características do documento escrito de todo o paranóico.
IX. — L. d'A. P., 34 anos. Microcefalia. Avó materna: acidentes nervosos. Uma colateral beata. O doente, segundo informações da mãe, fugia de casa e passava a vida nas igrejas.
Diagnóstico: idiotismo. — Grandes desenhos lineares, formados de elementos ordenados simetricamente, dando a impressão de mosaico, e que o doente executa só pelo prazer de colorir. Algumas dessas estranhas figurações geométricas, séries de rectângulos, losangos e trapézios diversamente dispostos, são, segundo o dizer do nosso microcéfalo, salões, praias e prédios. Forte cromofília.
X. — A. P. D., 55 anos. Índice cefálico 76,7 (14,3-18,7). Orelhas mal modeladas, sobre tudo a direita, e assimétricas (tipo Blainville). Herança do lado materno. Ideias de perseguição sistematizadas. Interpretação falsa de factos mesmo insignificantes. Ilusões várias. Reserva.
Diagnóstico: paranóia primitiva com delirio de perseguições. —Exteriorisação do sistema pelo documento escrito. Gráfica vertiginosa. Figurações simbólicas substituindo ás vezes as palavras. Abuso de itálicos, de parágrafos. Mudança constante do tipo de letra; locuções repetidas; impropriedade de pontuação; disfrásia. Interpretação egocêntrica de todos os factos. Vocábulos ingleses, franceses, portugueses, alemães: confusão
sintaxica. (Veja-se o autografo da pag. seguinte).
XI. — A. P. C, 54 annos. índice cefálico 78,0 (14,4-18,3). Face assimétrica. Abóbada palatina funda. Tremores fibrillares ataxiformes da língua, lábios, massetéres. Tremulação das mãos. Complexidade de formas delirantes sucedendo-se por largo tempo sem qualquer fio de ligação lógica. Delírio esboçado desde a infância, desenvolvendo-se na puberdade. Alucinações visuais referentes a essa época: visão dum anjo de rosto nobre e formoso, cabelos longos e esparsos, vestido talar cor de rosa aparecendo por detrás «duma amendoeira florida e jocunda, da coma ao tronco». Mais tarde (1881) tinha o doente 38 anos, irrompe a paranóia persecutória. Três anos depois, eclosão dum delírio inventorio: supõe ter descoberto a direcção dos balões; espalha pelas taceiras dos livreiros projectos e gráfícos. Finalmente (1891) aparecem ideias eróticas. O «anjo da amendoeira» resurge, mas desta vez o doente reconhece-o: é a Rainha. O delírio fixa-se, sistematiza-se. Escreve á Rainha; ameaça o Rei. Apreensão de cartas; prisão; reclusão hospitalar. O doente defende-se, dissimula, nega: mais depressa, uma carta sequestrada dá a chave do delírio. Diagnóstico : paranóia originária com delírio ambicioso de colorido erótico; episodicamente, ideias de perseguição e ideias inventorias.—O presente caso deu margem a um belo estudo do professor Bombarda sobre essa forma degenerativa há anos fixada por Sander. É pelos traslados desse excelente estudo que eu conheço dois folhetos feitos publicar pelo doente. O primeiro intitula-se : «O meu pacto com o diabo ou a primeira metade» ; o segundo: «O meu anjo redemptor ou a outra metade» Parecem suceder-se nos folhetos, nota o meu ilustre mestre, as duas formas de perseguição e de grandeza do delírio crónico de gerente, a primeira correspondendo ao período que vai desde 1880 a 90 e a segunda ao período que decorre desde 1890 até hoje (1900). A notar, no primeiro folheto, a Índole especial e por assim dizer mediéva do delírio persecutório: ideias demoníacas, pactos com o diabo, etc. O segundo folheto, esse, é por assim dizer a integração da figura da Rainha no símbolo adolescente do "anjo da amendoeira». Estes documentos são realmente muito interessantes. Grande poder imaginativo. Qualidades literárias dignas de nota. Tendências simbólicas. Erro egocêntrico. Certos efeitos poéticos, certos descritivos, são talvez a expressão de ilusões sensoriais. Palavras sublinhadas, justamente as que o doente mais valoriza: «imendoeira», «poço», «fórmulas», «golgotha »... O colorido erótico das suas ideias ambiciosas está expresso num grande número de cartas, que constituem uma documentação excepcionalmente rica. As últimas, muito posteriores ao já referido estudo do prof. Bombarda, espiritualizam, bisantinisam ainda mais as suas relações com a R.: tuteando- a ainda, trata-a agora de «irmã» Refunde a sua memória sobre o balão dirigível e envía-lha (Janeiro, 1900) acompanhada duma carta onde se lêem os seguintes períodos: "Desta preciosíssima jóia, que por sua valia e beleza constitui a maior maravilha do mundo, faço-te eu, de joelhos, propriedade absoluta e perpétua, a ti, minha excelsa soberana..." E mais adiante: «Eis, minha santa e querida irmã, o mimo que, por minhas mãos, Deus te oferece... .» Por ultimo, empraza a R. para Paris e despede-se «até á gloria». Nesta carta dá como «restaurado o balão, causa inocente de um grande martírio e da mais formidável revolução que se tem feito na terra...» As ideias eróticas, inventórias e de perseguição, fixam-se, integram-se e sistematizam-se num delírio único, completando-se e explicando-se reciprocamente.
XII. — A. P. de L., 21 anos. Escriturário de fazenda, índice cefálico 76,2 (14,4-18,9). Orelha direita mal modelada: assimetria. Rebordos orbitários salientes. Crânio alongado e acuminado no extremo occipital. Estrabismo divergente. Estreitamento do campo visual. Meia anestesia nos últimos segmentos do membro inferior. Vestígios de limfatismo. Perturbações vaso-motrizes tendo a sua principal sede na extremidade cefálica : fácil congestionamento da face. Preso por subtracção fraudulenta. Um passado de vagabundagem, de excessos sexuais, de ociosidade. Ataques epilepioides. É discursador, balofo, egoísta, d'uma ..infatuação meio imbecil».
Diagnostico: loucura moral. Este caso deu ao ilustre prof Bombarda um dos seus estudos medico-legais. — Encontro na documentação do doente um manuscrito de "Pensamentos", forgicado numa linguagem
de colorido arqui-rétorico, pastosa, empolada, prenhe de velhas alegorias "...a bandeira da honra cahindo na lama dos vícios", "O templo da inocência", " . . .em letras doiro os segredos de Orpheu", etc. De repente descamba na escurrilidade, para de novo se erguer em lastimas e imprecações contra «a mulher vaidosa que o levou ás trevas da desonra...' Palavras de penitencia, sentimentalidades declamatórias, versos de permeio, e de vez em quando um certo ar dogmático: "Sabei ! nem a mulher nem o ouro constituem a felicidade do coração humano". De espaço a espaço, como nos escritos do paranóico, figurações simbólicas substituindo as palavras. Mudança vulgar do tipo de letra. Abuso de capítulos.
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Arte Bruta/ Naif/ Outsider,
Ruptura Visual,
Texto e Letra
domingo, junho 07, 2009
Jornal de Rua





Textos encontrados na rua, nunca estão colados às paredes ou seguros em sítios vísiveis mas espalhados pelas ruas(no chão)da cidade.
Esta foi a 3ª série de folhas encontradas ver publicações anteriores na secção de object trouvé.
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quarta-feira, fevereiro 20, 2008
DE METRÓPOLIS A METRÓFAGO
O pesadelo urbano na moderna FC
Mais do que em qualquer outro género literário, a conceptualização da narrativa de Ficção Científica apela irremediavelmente a uma rica imaginação visual. Enquanto no romance realista – texto potenciométrico, como preferem alguns intelectuais mais highbrow – a história pode assentar tão só no fluxo narrativo já que a contextualização física é um dado adquirido (com a ressalvada excepção do romance histórico, que exige uma localização mais específica, mas que está ainda ao alcance do conhecimento quotidiano, bastando com uma rápida consulta aos manuais de história) a narrativa científico-ficcional impõe a supremacia da imaginação visual e criativa.
O realismo próprio da história de FC encontra-se na falsificação visual do meio em que a acção se desenvolve – alargando-se esse meio ao próprio crescimento do conhecimento científico que, a maior parte das vezes , reveste uma quebra conceptual extraordinária face ao senso-comum.
A FC para além de texto é também imagem. Seja a imagem impressa, seja a imagem invocada pela descrição narrativa, pelo hábil morphing da nossa realidade, na realidade do nosso futuro.
Todos começamos a gostar de FC através das suas expressões visuais, seja a BD, o cinema ou a televisão. E hoje, todos nós trememos perante o ameaçado cenário de que a vertente visual da FC irá aniquilar a sua vertente mais importante, que é ainda a escrita.
Quando Star Wars (1977) explodiu nos ecrãs de todo o mundo, desenhava-se o início de uma nova era na FC – ainda mais importante do que aquele que fora esboçado pela obra prima de Clarke e Kubrik – pois a partir daí a FC cinematográfica libertava-se dos shoestring budgets dos anos 50, da categoria Bem que sempre estivera até 2001 – A Space Odissey (1968) e passava a ser comercialmente rentável.
Qual a razão de tão revolucionário sucesso para uma obra que dificilmente aguenta o confronto com o filme de kubrik?
A resposta simples: efeitos visuais! Star Wars concretizou de forma deliciosa para o olhar de toda a imagética da FC com que todos tínhamos sonhado desde que pela primeira vez ouvimos falar de naves espaciais, pistolas laser e demais parafernália espacial.
Toda a “inocente” poesia das pulps americanas estava ali plasmada naquele épico canibalismo de mitos populares modernos: os combates no espaço, os duelos de espada, a abordagem de navios, o bombardeio entre estreitos desfiladeiros, os saloons, o édipo, a Força, o aprendiz e o mestre e mais recentemente até o nascimento de uma mãe virgem (Episode 1: The Phantom Menace, 1999), todos os ingredientes das habituais histórias onde o Bem triunfa sobre o Mal, desde Ford a Kurosawa, estavam ali. Mais importante ainda, estavam ali de uma forma visualmente inovadora e visualmente credível.
Nunca antes uma filme de FC conseguira apresentar numa só narrativa os quatros principais temas da imagética da FC. Os BEM’s, a paisagem alienígena, o design de nave espaciais e o design das cidades!
Aquilo que até agora só se encontrava na literatura, passa a ser possível ao nível do celulóide e assim, também ao nível do cortex visual.

Não importa que os desertos de Tatooine sejam os mesmos em que Lawrence comandava o seu exército árabe, ou que Mos Eisley se assemelhe a Casablanca com a sua versão muito especial do Rick’s Café Americain, ou mesmo a qualquer cidade de qualquer Western Spaghetti; nem sequer interessa que a Death Star ( e mais tarde Coruscant) não sejam mais que a Trantor de Asimov; o que interessa é que elas estavam ali, reais aos nossos olhos, pela primeira vez.
Já não era só uma prancha colorida por F.R.Paul na capa de uma Air Wonder Stories.


Nem eram uma Nova York disfarçada de Metropolis (1926). Eram reais... existiam com gentes nas suas ruas. Nunca uma cidade portuária apresentou tanta variedade étnica como Mos Eisley, autêntico caravancerai no deserto de Tantooine (Tunísia).
Perante isto não há argumentos racionais que destruam a ilusão que Lucas construiu. Que importa que as naves não possam rugir no espaço, que importa que o design dos T.I.E. fighters não seja funcional, que importa que a força não possa mover montanhas? Algures nas pradarias mágicas de Tinsel Town, existe uma Mos Eisley, existe uma Coruscant, uma Trantor onde podemos procurar refúgio da realidade como uma velha barcaça nos empurrões da tempestade.

Mas há um outro aspecto onde a imagética da FC se impõe à realidade, não já como forma de escapismo, mas como arrogante alarme de porvir: na sua esmagadora visão do futuro urbano!
Existe uma indesmentível relação de amor-ódio entre a FC e a Cidade, relação essa que Frederik pohl sumariza perfeitamente quando escreve que “i hate them because they are destructive of nature and man; i love them because they work” ( Posfácio a Future City, 1973).
Porque hoje a FC não pode permitir-se uma confortável falta de consciência ambiental. Não depois de Silent Spring (1962), não depois de Stand on Zanzibar (1968), não depois de Silent running (1971), de The Sheep Look Up (1972) ou de Make Room, Make Room (1966).
Silent Running (1972)de Douglas Trumbull
Sobretudo, não depois de Hiroshima ou Chernobyl. A FC já não pode perpetuar os excessos da Golden Age, já não pode transportar o estandarte progressista de Gernsback e Campbell.
Depois de 1945, a FC foi obrigada a perder o seu optimismo tecnológico. A aspiração de um futuro galáctico para a humanidade dissolveu-se no cogumelo atómico e, sob o clarão ofuscante da sua chama, terminou a sua Age of Wonder (Jack Williamson, “Recolections of Analog” in analog, January 2000)
O único futuro honesto que a FC nos pode revelar agora, é o futuro da catástrofe ecológica, de sobrepopulação, de desintegração do tecido urbano.
A FC é, porém e acima d tudo, um género urbano. A Golden Age foi construída laboriosamente por habitantes da cidade (urban city dwellers who were happy there, nas palavras de k. s. Robinson), para quem a cidade representa a suprema forma de organização do tecido social humano. O mesmo acontece com as “civilizações” alienígenas que surgem regularmente na FC, quer em forma de texto, quer em forma de filme: as mais avançadas são sempre as que vivem em monumentais cidades, mesmo que os Morlocks se encontrem muito melhor adaptados ao meio do que os Elohim.
Mas repetir este truísmo é ao mesmo tempo dizer muito e não significar nada. Porque a humanidade , tal como a conhecemos, é um género urbano. E os aborígenes, não têm uma literatura de FC.
Inevitavelmente, a descrença no futuro tecnológico professada pela moderna FC teria que se reflectir na própria concepção de Cidade, conforme representada pelos seus cultores.
Os delírios urbanísticos de Le Corbusier tinham, já no começo do século, deixado a sua marca indelével de perturbações psicológicas nos seus habitantes. Tal como a paisagem, também as pessoas eram feridas pelas aberrações monumentalistas das escolas de arquitectura de então.

Existe um elo indissociável entre o Homem e a Cidade. E até as obras mais antiurbanas da FC, como as pastorais de Simak, servem apenas para acentuar essa ligação: o contraste é desenhado com a vida das grandes metrópoles.
E estas, na sua perfeita mímica das crenças de cada época, são verdadeiros organismos, quase alienígenas, que se metamorfoseiam e crescem (e morrem!) em sinistra simbiose com o homo sapiens.
E as obras de FC estão cheias destes organismos, destas visionárias cidades.
Cidades que vão da amada New York de Asimov até à Smalltown USA de Bradbury A mesma que se desenha no Southern Cyclorama de Caldwell, ou nas obras de Steinbeck, dotada agora com um dark carnival que põe a nu a sua falsa pacatez, a sua mesquinhez moral, a frágil estrutura da sua aparente coesão.

Daí que a Cidade (utopia/distopia) é sempre um símbolo de humanidade: Metropolis é a crítica da cidade Marxista, tal como Santa Mira é crítica do McCartysmo e o LA de Blade Runner é o símbolo do fim.

É intuitiva a ligação entre a estrutura urbana e a personalidade humana. Como observa Greg Bear, habituamo-nos nos últimos 8 a 10.000 anos a pensar em termos de vida sedentária, em termos de vida cívica, em termos de urbanidade no tratamento com os nossos semelhantes.
Nesses aspectos, The Life and Times of Judge Roy Bean (1972), filme magnífico de John Huston, é um excelente exercício sobre a estreita relação entre a vida de uma cidade e a vida do homem que a construiu.
LikeTelevision Embed Movies and TV Shows
Mas a FC não é alheia a este exercício de estilo. Já antes, em 1936, Things to Come de Cameron Menzies, nos mostrava a sua subterrânea Everytown de design Bauhaus, tão estéril e asséptica quanto adormecida estava a criatividade dos seus cidadãos.
Mas as mais belas cidades da FC não são as megalópoles como Trantor, Everytown ou Metropolis; são a Londres isolada pelos glaciares de Clarke, são as cidades em ruínas, devastadas, de Ballard. São trepadeiras, reclamadas pelas selvas de do Yucatan.
Nenhuma imagem nascida da FC conseguiu até hoje duplicar a sublime poesia daquele momento final do Planet of Apes (1968) em que encontramos a estátua da liberdade- as suas ruínas – na areia de uma praia silenciosa.
A não ser que consideremos a estranha simetria que se encontra entre esse instante e aquele do 2001: A Space Odissey – do mesmo ano – em que os nossos antepassados primatas encontraram o monólito negro por entre uma ensurdecedora trovoada de gritos e guinchos.
É o monólito negro um símbolo de início da civilização e da fuga à natureza que caracterizou a recente evolução do homo sapiens e é a Estátua da Liberdade o símbolo desse retorno ansiado, o retrocesso até um estado antropóide (a)civilizado como o dos macacos de Boule?
Encontrar-se-á nessas duas cenas o confluir, num único e idêntico momento, da eterna tensão entre o que somos e o que poderíamos ter sido? Entre nurture e nature? Ou mesmo entre ciência e preconceitos humanistas?
Seja qual for a resposta, é certo que os dois filmes marcam uma época de mudança terminal na história do século XX e da FC (as revoltas dos estudantes, a efémera Primavera de Praga, Woodstock, Stonewall e Altamont e a chegada de Apolo XI à Lua sucederam-se no espaço desses dois anos: 1968-1969).
Mas, mais do que isso, esse momento do 2001, marca a apoteose do imaginário dos anos 50, a apoteose do optimismo da Golden Age, da “tecnologia e da ficção cientifica” dessa época (Thomas M. Dish). “For with devastating clarity it showed that the physical grandeur of the Space Program can only be achieved at ruinous spiritual cost. Technology was equated with the curse of Caine.”(in The Ruinsof Earth, 1971).
Com o surgimento do monólito negro (alarme ou catalisador?), surgiu a humanidade, numa génese que Robert Ardrey não desdenharia, pois é através da descoberta/criação da arma que se descobre/cria o utensílio e, só assim, pode surgir a Cidade e, com ela, a civilização.
A civilização é filha da arma. Até que o ciclo se complete no silêncio dessa praia sobre a qual o sol estende a sombra das ruínas da Terra.
A cidade é ao mesmo tempo o planeta e a nave espacial. O gótico da nave Nostromo de Alien (1979) torna-se o mórbido da LA de Blade Runner (1982). Mas acima de tudo, planeta ou nave, todas as cidade de FC são apenas uma: New York (ou Londres, se se é um New Waver, e a New Wave de Moorcoock, Aldiss e Ballard foi um movimento essencialmente urbano, tal como o movimento Cyberpunk de meados dos anos 80).
Metropolis (1926), que nas palavras de Lang teria sido inspirado pela visão do Skyline nova-iorquino, é “the first futuristic science fiction epic” (Kim Newman). É também a primeira distopia cinematográfica.
Metropolis precisa de ser alimentada como um gigantesco Moloch. São as massas que a alimentam, canibalizadas para que a Urbe possa sobreviver.
Como em soylent Green (1973) que, ao ingénuo vegetarianismo de Harrison, contrapõe a fria realidade do necessário antropofagismo. Porque com a sobrepopulação, com a progressiva ocupação dos solos, com a crescente exaustão das terras aráveis, não haverá espaço para cultivar o suficiente para alimentar todas as bocas.
E, com a sobrepopulação, também a Cidade cresce, como uma excrescência cancerígena sobre a face do planeta. E, como os seus habitantes, também ela precisa de ser alimentada; os serviços precisam de funcionários, as estruturas precisam de manutenção, os transportes necessitam fluir com normalidade. A cidade desenvolve uma teia voraz.
O limite parece encontrar-se no conto de Clive Barker (The Midnight Meat Train, 1984) no qual uma composição do metropolitano todas as noites leva o carregamento de carne humana para os monstros que vivem no subsolo londinense (os crocodilos nos esgostosde New York, os “resmugões nos de L.A., os toilers no de Metrópolis).
É esta a verdadeira simbiose entre o Homem e a Cidade: para poder viver no cada vez mais insuportável emaranhado de ruas, no caos do tráfico, o homem tem de alimentar o monstro – primeiro com a sua carne, depois com a sua vida.
A cidade na FC é acima de tudo um símbolo do Homem.
Assim como no horror. Aí, meio privilegiado, encontra este símbolo a sua total potencialidade de expressão: a casa assombrada.
Mas também a pequena e pacata comunidade assolada pelos fantasmas saídos do nevoeiro (The Fog, 1979), pelas sombras de Elm Street onde os pesadelos caminham com passos rápidos, nas civilizações sinístras que se ocultam sob os gelos dos pólos.
É no Horror que se encontram as mais famosas cidades da literatura: Castle Rock, Derry, Arkham, kadath, Dunwich, ou Edgerton. Porque o Horror segue o caminho complementar da FC: enquanto esta parte do caos para encontrar a ordem, o Horror parte da ordem e mergulha no caos.
A Metropolis de Lang não é mais do que o espelho do monstro de “Frankenstein” (1818) de Marey Schelley, obra seminal para os dois géneros literários.
Ambos- monstro e metrópole- são construídos de retalhos e buscam uma identidade que os defina. Nenhum dos dois pertence à Humanidade. Ambos foram criados por ela, mas também ambos a escravizam e sobre elaabatem a sua vingança. Ambos são organismos alienígenas, pese embora a sua origem – mais do que terrestre – humana!
Em Logan’s Run (1976), Michael york e Jenny Argutter fogem de uma magnífica cidade repleta de cúpulas ( mais uma vez as velhas ilustrações de F.R. Paul ou as mais recentes de Paul Youll) para encontrarem apenas uma wagshinton em ruínas e coberta de mídio e trepadeiras ( como as ruínas de Ballard). É no entanto, nesta ultima que encontram a libertação do sistema opressivo sobre cuja égide tinham sempre vivido.
Numa época em que o terror se confunde com as piores previsões da especulação científica, onde o inimigo não tem rosto, onde os nossos alimentos se encontram envenenados e nos sentimos incapazes de sobreviver fora da cidade que nos escraviza, o que a FC nos ajuda a compreender é precisamente o intervalo que separa a Smalltown the Bradbury e Simak, do moderno Moloch urbano.
João Seixas
in Paradoxo nº3, 2000 (Fanzine de ficção científica e fantasia)
Mais do que em qualquer outro género literário, a conceptualização da narrativa de Ficção Científica apela irremediavelmente a uma rica imaginação visual. Enquanto no romance realista – texto potenciométrico, como preferem alguns intelectuais mais highbrow – a história pode assentar tão só no fluxo narrativo já que a contextualização física é um dado adquirido (com a ressalvada excepção do romance histórico, que exige uma localização mais específica, mas que está ainda ao alcance do conhecimento quotidiano, bastando com uma rápida consulta aos manuais de história) a narrativa científico-ficcional impõe a supremacia da imaginação visual e criativa.
O realismo próprio da história de FC encontra-se na falsificação visual do meio em que a acção se desenvolve – alargando-se esse meio ao próprio crescimento do conhecimento científico que, a maior parte das vezes , reveste uma quebra conceptual extraordinária face ao senso-comum.
A FC para além de texto é também imagem. Seja a imagem impressa, seja a imagem invocada pela descrição narrativa, pelo hábil morphing da nossa realidade, na realidade do nosso futuro.
Todos começamos a gostar de FC através das suas expressões visuais, seja a BD, o cinema ou a televisão. E hoje, todos nós trememos perante o ameaçado cenário de que a vertente visual da FC irá aniquilar a sua vertente mais importante, que é ainda a escrita.
Quando Star Wars (1977) explodiu nos ecrãs de todo o mundo, desenhava-se o início de uma nova era na FC – ainda mais importante do que aquele que fora esboçado pela obra prima de Clarke e Kubrik – pois a partir daí a FC cinematográfica libertava-se dos shoestring budgets dos anos 50, da categoria Bem que sempre estivera até 2001 – A Space Odissey (1968) e passava a ser comercialmente rentável.
Qual a razão de tão revolucionário sucesso para uma obra que dificilmente aguenta o confronto com o filme de kubrik?
A resposta simples: efeitos visuais! Star Wars concretizou de forma deliciosa para o olhar de toda a imagética da FC com que todos tínhamos sonhado desde que pela primeira vez ouvimos falar de naves espaciais, pistolas laser e demais parafernália espacial.
Toda a “inocente” poesia das pulps americanas estava ali plasmada naquele épico canibalismo de mitos populares modernos: os combates no espaço, os duelos de espada, a abordagem de navios, o bombardeio entre estreitos desfiladeiros, os saloons, o édipo, a Força, o aprendiz e o mestre e mais recentemente até o nascimento de uma mãe virgem (Episode 1: The Phantom Menace, 1999), todos os ingredientes das habituais histórias onde o Bem triunfa sobre o Mal, desde Ford a Kurosawa, estavam ali. Mais importante ainda, estavam ali de uma forma visualmente inovadora e visualmente credível.
Nunca antes uma filme de FC conseguira apresentar numa só narrativa os quatros principais temas da imagética da FC. Os BEM’s, a paisagem alienígena, o design de nave espaciais e o design das cidades!
Aquilo que até agora só se encontrava na literatura, passa a ser possível ao nível do celulóide e assim, também ao nível do cortex visual.

Não importa que os desertos de Tatooine sejam os mesmos em que Lawrence comandava o seu exército árabe, ou que Mos Eisley se assemelhe a Casablanca com a sua versão muito especial do Rick’s Café Americain, ou mesmo a qualquer cidade de qualquer Western Spaghetti; nem sequer interessa que a Death Star ( e mais tarde Coruscant) não sejam mais que a Trantor de Asimov; o que interessa é que elas estavam ali, reais aos nossos olhos, pela primeira vez.

Já não era só uma prancha colorida por F.R.Paul na capa de uma Air Wonder Stories.


Nem eram uma Nova York disfarçada de Metropolis (1926). Eram reais... existiam com gentes nas suas ruas. Nunca uma cidade portuária apresentou tanta variedade étnica como Mos Eisley, autêntico caravancerai no deserto de Tantooine (Tunísia).

Perante isto não há argumentos racionais que destruam a ilusão que Lucas construiu. Que importa que as naves não possam rugir no espaço, que importa que o design dos T.I.E. fighters não seja funcional, que importa que a força não possa mover montanhas? Algures nas pradarias mágicas de Tinsel Town, existe uma Mos Eisley, existe uma Coruscant, uma Trantor onde podemos procurar refúgio da realidade como uma velha barcaça nos empurrões da tempestade.

Mas há um outro aspecto onde a imagética da FC se impõe à realidade, não já como forma de escapismo, mas como arrogante alarme de porvir: na sua esmagadora visão do futuro urbano!
Existe uma indesmentível relação de amor-ódio entre a FC e a Cidade, relação essa que Frederik pohl sumariza perfeitamente quando escreve que “i hate them because they are destructive of nature and man; i love them because they work” ( Posfácio a Future City, 1973).
Porque hoje a FC não pode permitir-se uma confortável falta de consciência ambiental. Não depois de Silent Spring (1962), não depois de Stand on Zanzibar (1968), não depois de Silent running (1971), de The Sheep Look Up (1972) ou de Make Room, Make Room (1966).
Silent Running (1972)de Douglas Trumbull
Sobretudo, não depois de Hiroshima ou Chernobyl. A FC já não pode perpetuar os excessos da Golden Age, já não pode transportar o estandarte progressista de Gernsback e Campbell.
Depois de 1945, a FC foi obrigada a perder o seu optimismo tecnológico. A aspiração de um futuro galáctico para a humanidade dissolveu-se no cogumelo atómico e, sob o clarão ofuscante da sua chama, terminou a sua Age of Wonder (Jack Williamson, “Recolections of Analog” in analog, January 2000)
O único futuro honesto que a FC nos pode revelar agora, é o futuro da catástrofe ecológica, de sobrepopulação, de desintegração do tecido urbano.
A FC é, porém e acima d tudo, um género urbano. A Golden Age foi construída laboriosamente por habitantes da cidade (urban city dwellers who were happy there, nas palavras de k. s. Robinson), para quem a cidade representa a suprema forma de organização do tecido social humano. O mesmo acontece com as “civilizações” alienígenas que surgem regularmente na FC, quer em forma de texto, quer em forma de filme: as mais avançadas são sempre as que vivem em monumentais cidades, mesmo que os Morlocks se encontrem muito melhor adaptados ao meio do que os Elohim.
Mas repetir este truísmo é ao mesmo tempo dizer muito e não significar nada. Porque a humanidade , tal como a conhecemos, é um género urbano. E os aborígenes, não têm uma literatura de FC.
Inevitavelmente, a descrença no futuro tecnológico professada pela moderna FC teria que se reflectir na própria concepção de Cidade, conforme representada pelos seus cultores.
Os delírios urbanísticos de Le Corbusier tinham, já no começo do século, deixado a sua marca indelével de perturbações psicológicas nos seus habitantes. Tal como a paisagem, também as pessoas eram feridas pelas aberrações monumentalistas das escolas de arquitectura de então.

Existe um elo indissociável entre o Homem e a Cidade. E até as obras mais antiurbanas da FC, como as pastorais de Simak, servem apenas para acentuar essa ligação: o contraste é desenhado com a vida das grandes metrópoles.
E estas, na sua perfeita mímica das crenças de cada época, são verdadeiros organismos, quase alienígenas, que se metamorfoseiam e crescem (e morrem!) em sinistra simbiose com o homo sapiens.
E as obras de FC estão cheias destes organismos, destas visionárias cidades.
Cidades que vão da amada New York de Asimov até à Smalltown USA de Bradbury A mesma que se desenha no Southern Cyclorama de Caldwell, ou nas obras de Steinbeck, dotada agora com um dark carnival que põe a nu a sua falsa pacatez, a sua mesquinhez moral, a frágil estrutura da sua aparente coesão.

Daí que a Cidade (utopia/distopia) é sempre um símbolo de humanidade: Metropolis é a crítica da cidade Marxista, tal como Santa Mira é crítica do McCartysmo e o LA de Blade Runner é o símbolo do fim.

É intuitiva a ligação entre a estrutura urbana e a personalidade humana. Como observa Greg Bear, habituamo-nos nos últimos 8 a 10.000 anos a pensar em termos de vida sedentária, em termos de vida cívica, em termos de urbanidade no tratamento com os nossos semelhantes.
Nesses aspectos, The Life and Times of Judge Roy Bean (1972), filme magnífico de John Huston, é um excelente exercício sobre a estreita relação entre a vida de uma cidade e a vida do homem que a construiu.
LikeTelevision Embed Movies and TV Shows
Mas a FC não é alheia a este exercício de estilo. Já antes, em 1936, Things to Come de Cameron Menzies, nos mostrava a sua subterrânea Everytown de design Bauhaus, tão estéril e asséptica quanto adormecida estava a criatividade dos seus cidadãos.
Mas as mais belas cidades da FC não são as megalópoles como Trantor, Everytown ou Metropolis; são a Londres isolada pelos glaciares de Clarke, são as cidades em ruínas, devastadas, de Ballard. São trepadeiras, reclamadas pelas selvas de do Yucatan.
Nenhuma imagem nascida da FC conseguiu até hoje duplicar a sublime poesia daquele momento final do Planet of Apes (1968) em que encontramos a estátua da liberdade- as suas ruínas – na areia de uma praia silenciosa.
A não ser que consideremos a estranha simetria que se encontra entre esse instante e aquele do 2001: A Space Odissey – do mesmo ano – em que os nossos antepassados primatas encontraram o monólito negro por entre uma ensurdecedora trovoada de gritos e guinchos.
É o monólito negro um símbolo de início da civilização e da fuga à natureza que caracterizou a recente evolução do homo sapiens e é a Estátua da Liberdade o símbolo desse retorno ansiado, o retrocesso até um estado antropóide (a)civilizado como o dos macacos de Boule?
Encontrar-se-á nessas duas cenas o confluir, num único e idêntico momento, da eterna tensão entre o que somos e o que poderíamos ter sido? Entre nurture e nature? Ou mesmo entre ciência e preconceitos humanistas?
Seja qual for a resposta, é certo que os dois filmes marcam uma época de mudança terminal na história do século XX e da FC (as revoltas dos estudantes, a efémera Primavera de Praga, Woodstock, Stonewall e Altamont e a chegada de Apolo XI à Lua sucederam-se no espaço desses dois anos: 1968-1969).
Mas, mais do que isso, esse momento do 2001, marca a apoteose do imaginário dos anos 50, a apoteose do optimismo da Golden Age, da “tecnologia e da ficção cientifica” dessa época (Thomas M. Dish). “For with devastating clarity it showed that the physical grandeur of the Space Program can only be achieved at ruinous spiritual cost. Technology was equated with the curse of Caine.”(in The Ruinsof Earth, 1971).
Com o surgimento do monólito negro (alarme ou catalisador?), surgiu a humanidade, numa génese que Robert Ardrey não desdenharia, pois é através da descoberta/criação da arma que se descobre/cria o utensílio e, só assim, pode surgir a Cidade e, com ela, a civilização.
A civilização é filha da arma. Até que o ciclo se complete no silêncio dessa praia sobre a qual o sol estende a sombra das ruínas da Terra.
A cidade é ao mesmo tempo o planeta e a nave espacial. O gótico da nave Nostromo de Alien (1979) torna-se o mórbido da LA de Blade Runner (1982). Mas acima de tudo, planeta ou nave, todas as cidade de FC são apenas uma: New York (ou Londres, se se é um New Waver, e a New Wave de Moorcoock, Aldiss e Ballard foi um movimento essencialmente urbano, tal como o movimento Cyberpunk de meados dos anos 80).
Metropolis (1926), que nas palavras de Lang teria sido inspirado pela visão do Skyline nova-iorquino, é “the first futuristic science fiction epic” (Kim Newman). É também a primeira distopia cinematográfica.
Metropolis precisa de ser alimentada como um gigantesco Moloch. São as massas que a alimentam, canibalizadas para que a Urbe possa sobreviver.
Como em soylent Green (1973) que, ao ingénuo vegetarianismo de Harrison, contrapõe a fria realidade do necessário antropofagismo. Porque com a sobrepopulação, com a progressiva ocupação dos solos, com a crescente exaustão das terras aráveis, não haverá espaço para cultivar o suficiente para alimentar todas as bocas.
E, com a sobrepopulação, também a Cidade cresce, como uma excrescência cancerígena sobre a face do planeta. E, como os seus habitantes, também ela precisa de ser alimentada; os serviços precisam de funcionários, as estruturas precisam de manutenção, os transportes necessitam fluir com normalidade. A cidade desenvolve uma teia voraz.
O limite parece encontrar-se no conto de Clive Barker (The Midnight Meat Train, 1984) no qual uma composição do metropolitano todas as noites leva o carregamento de carne humana para os monstros que vivem no subsolo londinense (os crocodilos nos esgostosde New York, os “resmugões nos de L.A., os toilers no de Metrópolis).
É esta a verdadeira simbiose entre o Homem e a Cidade: para poder viver no cada vez mais insuportável emaranhado de ruas, no caos do tráfico, o homem tem de alimentar o monstro – primeiro com a sua carne, depois com a sua vida.
A cidade na FC é acima de tudo um símbolo do Homem.
Assim como no horror. Aí, meio privilegiado, encontra este símbolo a sua total potencialidade de expressão: a casa assombrada.
Mas também a pequena e pacata comunidade assolada pelos fantasmas saídos do nevoeiro (The Fog, 1979), pelas sombras de Elm Street onde os pesadelos caminham com passos rápidos, nas civilizações sinístras que se ocultam sob os gelos dos pólos.
É no Horror que se encontram as mais famosas cidades da literatura: Castle Rock, Derry, Arkham, kadath, Dunwich, ou Edgerton. Porque o Horror segue o caminho complementar da FC: enquanto esta parte do caos para encontrar a ordem, o Horror parte da ordem e mergulha no caos.
A Metropolis de Lang não é mais do que o espelho do monstro de “Frankenstein” (1818) de Marey Schelley, obra seminal para os dois géneros literários.
Ambos- monstro e metrópole- são construídos de retalhos e buscam uma identidade que os defina. Nenhum dos dois pertence à Humanidade. Ambos foram criados por ela, mas também ambos a escravizam e sobre elaabatem a sua vingança. Ambos são organismos alienígenas, pese embora a sua origem – mais do que terrestre – humana!
Em Logan’s Run (1976), Michael york e Jenny Argutter fogem de uma magnífica cidade repleta de cúpulas ( mais uma vez as velhas ilustrações de F.R. Paul ou as mais recentes de Paul Youll) para encontrarem apenas uma wagshinton em ruínas e coberta de mídio e trepadeiras ( como as ruínas de Ballard). É no entanto, nesta ultima que encontram a libertação do sistema opressivo sobre cuja égide tinham sempre vivido.
Numa época em que o terror se confunde com as piores previsões da especulação científica, onde o inimigo não tem rosto, onde os nossos alimentos se encontram envenenados e nos sentimos incapazes de sobreviver fora da cidade que nos escraviza, o que a FC nos ajuda a compreender é precisamente o intervalo que separa a Smalltown the Bradbury e Simak, do moderno Moloch urbano.
João Seixas
in Paradoxo nº3, 2000 (Fanzine de ficção científica e fantasia)
Etiquetas:
Distúrbio Electrónico,
Texto e Letra
quinta-feira, maio 03, 2007
Entre Blade Runner y Mickey Mouse
Nuevas condiciones urbanas
Copyleft: josé pérez de lama, aka osfa,2006
Introducción
01 deleuzeguattarilandia/ cartas desde Los Àngeles 99/00
02.01 In the rear-view mirror/ Desde el espejo retrovisor- Aproximación a la historiagrafia de Los Àngeles (1971-2000)
02.02 In the rear-view mirror/ Desde el espejo retrovisor- Mike Davis/ Contra-Narraciones de la ciudad obscura
02.03 In the rear-view mirror/ Desde el espejo retrovisor- Edward Soja: metrópolis moderna /teoria urbana pósmoderna
03.01 Arquitecturas contra la ley de la gravedad
03-02 1932-1966 :: VLD House/ Silver Lake/ Richard Neutra
03-03 1941 - 53 :: Frey House 1 y 2/ Palm Spring/ Albert Frey
03-04 1959 - 60 :: CSH #21 y CSH #22 Hollywood Hills/ Pierre Koenig
03.05 Interferencia Electric Kool-Aid Acid Test, Watts / The Merry Pranksters (1966)
03.06 Gehry House/ Santa Mónica/ Frank Gehri (1978...)
03.07 SCI Arc / Downtown Los Angeles (1972 - 1987...)
03-08 1998:: Corrugated Duct House/ Palm Springs/ Neil M. Denari
04 (Anarco)geografias de las redes sociales
05.01 Haciendo rizoma con William Gibson_ Nuevos deseos
05.02 Haciendo rizoma con William Gibson_ Cinerama Angelino
06.01 Epílogo de Los Àngeles 2000 a Sevilla 2000
06.01 Lo difícil es desear. Perspectivas para la construcción de la metrópolis de la multitud
07 Bibliografia
Copyleft: josé pérez de lama, aka osfa,2006
Introducción
01 deleuzeguattarilandia/ cartas desde Los Àngeles 99/00
02.01 In the rear-view mirror/ Desde el espejo retrovisor- Aproximación a la historiagrafia de Los Àngeles (1971-2000)
02.02 In the rear-view mirror/ Desde el espejo retrovisor- Mike Davis/ Contra-Narraciones de la ciudad obscura
02.03 In the rear-view mirror/ Desde el espejo retrovisor- Edward Soja: metrópolis moderna /teoria urbana pósmoderna
03.01 Arquitecturas contra la ley de la gravedad
03-02 1932-1966 :: VLD House/ Silver Lake/ Richard Neutra
03-03 1941 - 53 :: Frey House 1 y 2/ Palm Spring/ Albert Frey
03-04 1959 - 60 :: CSH #21 y CSH #22 Hollywood Hills/ Pierre Koenig
03.05 Interferencia Electric Kool-Aid Acid Test, Watts / The Merry Pranksters (1966)
03.06 Gehry House/ Santa Mónica/ Frank Gehri (1978...)
03.07 SCI Arc / Downtown Los Angeles (1972 - 1987...)
03-08 1998:: Corrugated Duct House/ Palm Springs/ Neil M. Denari
04 (Anarco)geografias de las redes sociales
05.01 Haciendo rizoma con William Gibson_ Nuevos deseos
05.02 Haciendo rizoma con William Gibson_ Cinerama Angelino
06.01 Epílogo de Los Àngeles 2000 a Sevilla 2000
06.01 Lo difícil es desear. Perspectivas para la construcción de la metrópolis de la multitud
07 Bibliografia
Etiquetas:
Revolta Nuclear,
Texto e Letra
segunda-feira, março 12, 2007
Festa de rua- Lisboa
24 de Abril





Pelo menos duas centenas de manifestantes realizaram uma festa de rua, do
Príncipe Real ao Martin Moniz. Esta manifestação foi fortemente vigiada
pela Polícia, com capacetes e diversos carros de polícia apoiados por mais
de vinte polícias, já que não estava legalizada.A Polícia acabou por ceder as pretensões dos manifestantes, na sua maioria jovens, que presentearam uma animação de rua, em ambiente festivo, muitos
deles mascarados com música em carrinhos de supermercados e critica social
à mistura, com caricaturas do novo papa, cardeal Ratzinger e diversos
cartazes que diziam “O Capitalismo não se Reforma Destroi-se” “ a Rua é
Tua”.A manifestação começou no Príncipe Real e parou no Camões, por que a
polícia fez um cordão e impediu a passagem da festa. Passado, meia hora os manifestantes decidiram avançar e furaram o cordão com cerca de dez polícias e a festa prosseguiu até ao Rossio, passado pela
Praça da Figueira, até a Martin Moniz.Também havia grande nervosismo no seio da polícia, ao que ao mínimo pormenor dos manifestantes lhes davam bastante “trabalho” e ficavam
nervosos.





Pelo menos duas centenas de manifestantes realizaram uma festa de rua, do
Príncipe Real ao Martin Moniz. Esta manifestação foi fortemente vigiada
pela Polícia, com capacetes e diversos carros de polícia apoiados por mais
de vinte polícias, já que não estava legalizada.A Polícia acabou por ceder as pretensões dos manifestantes, na sua maioria jovens, que presentearam uma animação de rua, em ambiente festivo, muitos
deles mascarados com música em carrinhos de supermercados e critica social
à mistura, com caricaturas do novo papa, cardeal Ratzinger e diversos
cartazes que diziam “O Capitalismo não se Reforma Destroi-se” “ a Rua é
Tua”.A manifestação começou no Príncipe Real e parou no Camões, por que a
polícia fez um cordão e impediu a passagem da festa. Passado, meia hora os manifestantes decidiram avançar e furaram o cordão com cerca de dez polícias e a festa prosseguiu até ao Rossio, passado pela
Praça da Figueira, até a Martin Moniz.Também havia grande nervosismo no seio da polícia, ao que ao mínimo pormenor dos manifestantes lhes davam bastante “trabalho” e ficavam
nervosos.
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Exploração Urbana,
Plaque tournant,
Texto e Letra
segunda-feira, fevereiro 12, 2007
MATEN A LOS PERIODISTAS
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Que maten a los periodistas
que los hagan a todos pedazos
que les revienten a plomo la boca, las extremidades
y les exploten los ojos
ellos apuntan y hieren y aniquilan y ladran
y se disfrutan juiciosos de las verdades salaces
y se encaraman de gozo sobre sus rostros audaces
para colmenar el amén antropófago de la Audiencia
que les disparen ascuas de oro a los periodistas
que se cobran el niño disuelto
con sus pistolas de lente
con la mentira embuchada, alimento del Gran Día
que les estallen los órganos
mientras están observando
que les cuelguen de las antenas
que los aplasten con huevos humanos
y les obliguen a trinchar la carne de sus compañeros
chamuscados
que les ocurra todo lo que ellos graban
y sean testigos ante sus familias
de los crímenes que crean
que los arrastren los desfiguren
que los trufen de noticias explosivas
y les desequen la sangre
y los exhiban bien en lo alto para los pájaros
a pellejazo raído
que maten a todos los periodistas
con sus discursos de bello y valiente billete
así va a ser mucho más divertido
mirar la guerra en la tele
Hector Arnau
Que maten a los periodistas
que los hagan a todos pedazos
que les revienten a plomo la boca, las extremidades
y les exploten los ojos
ellos apuntan y hieren y aniquilan y ladran
y se disfrutan juiciosos de las verdades salaces
y se encaraman de gozo sobre sus rostros audaces
para colmenar el amén antropófago de la Audiencia
que les disparen ascuas de oro a los periodistas
que se cobran el niño disuelto
con sus pistolas de lente
con la mentira embuchada, alimento del Gran Día
que les estallen los órganos
mientras están observando
que les cuelguen de las antenas
que los aplasten con huevos humanos
y les obliguen a trinchar la carne de sus compañeros
chamuscados
que les ocurra todo lo que ellos graban
y sean testigos ante sus familias
de los crímenes que crean
que los arrastren los desfiguren
que los trufen de noticias explosivas
y les desequen la sangre
y los exhiban bien en lo alto para los pájaros
a pellejazo raído
que maten a todos los periodistas
con sus discursos de bello y valiente billete
así va a ser mucho más divertido
mirar la guerra en la tele
Hector Arnau
sexta-feira, janeiro 19, 2007
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