quarta-feira, março 18, 2020

As Amazonas do Reino de Dahomé


As Amazonas de Dahomé como lhes chamavam os primeiros exploradores ocidentais têm origens muito remotas. Entre 1645 e 1685, Houegbadja, 3º rei de Daomé começou a treinar militarmente mulheres para formar um grupo de caçadoras de elefantes a que chamavam gbeto. No século XVIII algumas esposas reais tornaram-se guarda-costas do rei, sendo chamadas de Ahosi, “esposas do Rei”.
Agadja, filho de Houegbadja e seu sucessor real transformou as guarda-costas num grupo armado, que usava o mosquete de pederneira como arma, conseguindo derrotar o vizinho Reino de Savi, em 1727.
Após 100 anos de luta tornaram-se ávidas guerreiras, sendo apelidadas pelo exercito masculino Fon (grupo étnico da região) de Mino, que queria dizer “nossas mães”. Mulheres comuns da sociedade começaram a alistar-se voluntariamente recebendo treino militar, espingardas, porretes e facas. As unidades também eram comandadas por mulheres. Os seus prisioneiros eram frequentemente decapitados.
Na segunda metade do século XIX intensificou-se a colonização europeia e em 1890 começa a guerra de Daomé com a França. No princípio os soldados franceses hesitavam em abater as guerreiras com tiros ou golpes de baioneta, mas começaram a ter tantas baixas que mudaram a estratégia combatendo com todos os meios. Chamaram a Legião Estrangeira que chegou com metralhadoras, cavalaria e infantaria da marinha, os franceses infligiram baixas dez vezes piores do lado daomeano. Após várias batalhas, ganharam. Os legionários escreveriam mais tarde sobre a "incrível coragem e audácia" das Ahosi.


No filme Black Panther de 2018, as guerreiras de Wakanda são baseadas nas amazonas de Daomé

São a única frente de combate feminina documentada na historia da guerra
  No programa inglês "Quite interesting" referem-nas (no minuto 17:04) como 'as mulheres mais violentas na historia do mundo'
As Gerreiras de Daomé no jardim zoológico humano do Jardin D'acclimatation em París em 1891
Aparecem também representadas no filme Cobra Verde, de 1987 de Werner Herzog como se pode ver no minuto 1:16:15
 Uma delegação francesa que visitou Dahomey na década de 1880 relatou ter testemunhado uma jovem amazona com cerca de 16 anos durante o treino. Os registos relatam que ela deu 3 balanços com a catana antes de remover completamente a cabeça de um prisioneiro. Limpou o sangue da lamina e engoliu-o. As suas companheiras gritaram em frenética aprovação. Era costume na região, voltarem para casa com a cabeça e os órgãos genitais dos oponentes.
 A celebração em Abomey (1908). Guerreiras veteranas do rei Fon Béhanzin, filho do rei Glele

As gbeto como unidade militar feminina no jogo de computador Age of Empire II

Emilio Salgari escreveu uma ficção sobre o grupo referido:
"De qualquer modo, o número de personagens principais de origem não europeia resulta vasto. E mesmo que Moko, de O Corsário Negro (1898), encarne o usual "bom selvagem"; que personagens portugueses e brasileiras sejam de pronto associados ao tráfico humano (Os drams da escravatura, 1896); ou que Antão, um explorador Luso em terras de Daomé, em meados do século XIX, acabe, fatalmente, por desposar uma "ex-guerreira [...] transformada há anos em senhora Urada de Carvalho" (A costa de Marfim; As Guerreiras do Daomé, 1989) parecendo atestar  consabida propensão nacional para estes enlaces - a verdade é que Salgari conseguiu esquivar-se a muitos bordões do eurocentrismo reinante."
in Do Minho ao Mandovi: um estudo sobre o pensamento colonial de Norton de Matos

"Também em África, desta vez na Costa do Marfim, decorre a acção do romance “La Costa d´Avvorio” (também sem tradução para Português) que tem como herói o caçador Antão de Carvalho. Ele e o seu melhor amigo, o italiano Alfredo Lusardo, enfrentam amazonas negras e entram na cidade santa de Dahomé disfarçados de embaixadores do Bongú. Os seus carregadores negros envergam «ricos calções brancos, cintas vermelhas, mantos cheios de arabescos, lenços de seda de cores vivas e armadas de carabinas. Para eles próprios reservaram os dois aventureiros os dois melhores cavalos que foram adornados de guarnições vermelhas e ricas gualdrapas recamadas de ouro. E duas umbrelas encarnadas, guarnecidas de franjas, distintivos das personagens reais». Antão de Carvalho, fazendo jus à reputação do português miscegenador de raças, é acompanhado por Urada, uma guerreira local muito bela que no fim da aventura acompanha o português de regresso ao solo pátrio."
in Salgari e os seus heróis portugueses https://www.oclarim.com.mo/todas/salgari-e-os-seus-herois-portugueses-2/

A última Ahosi remanescente do Reino do Daomé morreu em 1979.
 

quinta-feira, outubro 24, 2019

Crítica de Ernesto de Sousa de 1974


Crítica de Ernesto de Sousa a uma actuação do Grupo de Accion Instrumental de Buenos Aires que actuou no Instituto Alemão de Lisboa ("o alemão Curt Meyer-Clason,  dirigiu o Instituto entre 1969 e 1976, uma ilha de liberdade e cultura durante a ditadura"), o texto fala sobre Max Ernst, DADA e a falta de interesse do espectador poeta/pintor a este "género de actuações culturais"
Por favor fechem todas as portas!
A bailarina avançou para o proscénio, ergueu lentamente o braço e repetidamente pediu: “Por favor, fechem todas as portas!”
As portas não se fecharam logo. Alguns retardatários ainda se escapavam para o escuro da sala do Instituto Alemão, onde o Grupo de Accion Instrumental, de Buenos Aires, começava a representação de “ Le Femme 100 Têtes”, after Max Ernst, numa sucessão de estruturas musicais, exercícios de acção, dança, projecções de colagens e de outras, onde emerge o “fantasma dos pássaros”, Max Ernst escrevera, referindo-se a si próprio:
“... No seu espírito enraizara-se uma perigosa confusão entre pássaros e seres humanos. Isto viria, mais tarde, a exprimir-se através dos seus desenhos e quadros... De resto, Max deveria um dia identificar~se a “Loplop, l'oiseaux suprême”. Esse fantasma conservou-se inseparável de outro, chamado Peturbation, ma soeur, le femme 100 têtes”
Por esta breve citação se poderá avaliar do carácter angustiado e angustiante desta obra de Max, o que aliás caracterizaria em geral toda a sua produção, quer no periodo DADA quer durante a época surrealista até cerca de 1942. Só por esta altura, já com cerca de 50 anos, Max venceriaas suas obsessões e, como diz um dos seus comentadores”passaria da angústia ao encantamento”. Mas as obsessões de Max Ernst não o impediram de tecer uma das obras mais originais e poéticas do seu tempo, realizada através de minuciosas e originais investigações plásticas e descobertas técnicas. O trabalho do Grupo de Accion Instrumental baseado numa partitura de George Antheil, é brilhante e irregular. Porventura demasiado brilhante..., por vezes parecendo ignorar que o humor surrealista (e sobretudo neste caso particular) é um humor negro. As angustias de Max Ernst desvanecem-se numa graça, e todo o caso, controlada e por vezes acutilante. Apesar das reservas que se possam fazera esta actuação, ela tem o grande mérito de relembrar uma obra ímpar e altamente importante para as preocupações estéticas e outras do nosso tempo – barroco e neodada.
E é a importância deste renascimento que nos moveu a outro tipo de preocupações. A quem pode interessar este género de acções culturais? Naturalmente em primeiro lugar aos artistas plásticos, aos poetas, aos músicos... E a todos, enfim, para quem a cultura não seja mero passatempo ou objecto de consumo reificado e empobrecedor. Ora, quanto aos primeiros, pintores, poetas, não estava lá nenhum na repleta sala do instituto alemão. Desinteresse, desconhecimento. Repete-se o que já acontecera o ano passado – e noutro lugar assinalei – quando, por iniciativa também do Instituto Alemão e das Juventudes Musicais, veio até nós pela segunda vez o Collegium Vocale de Colónia, e entre outras coisas executou o célebre poema simultâneo DADA “L'Admiral Cherche Une Maison À Louer”, de Richard Huelsenbeck, Marcel Janco e Tristan Tzara. Este poema fora executado em 1916 numa das célebres sessões do Cabaret Voltaire, assinalando assim o nascimento em Zurique do Movimento DADA, que tanta importância viria a ter e volta a estar hoje nas preocupações modernas, nomeadamente no que respeita às artes plásticas.
Por favor, fechem todas as portas! Fechem todas as portas... sobretudo aos vendilhões do templo, aos artistas plásticos apenas preocupados com as cotações das respectivas obras, aos críticos ansiosos de promoção, aos especialistas estreitamente fechados nas suas herméticas profissões... e que apenas repetem para sossego das respectivas inconsciências: não se passa nada... Fechem-lhes todas as portas! A juventude que na sua maioria enchia a sala do Instituto Alemão não tem nada a esperar de tais intelectuais, nada a aprender com eles... e se não quiser sossobrar tamb´me nesta apatia geral, fechadas todas as portas, terá de cuidar dos seus próprios valores. É fechar todas as portas a partir do zero.


Referências do artigo:
Grupo de Accion Instrumental - grupo argentino lendario dos anos 60/70,  "La idea era llevar el desvío de lo musical y lo instrumental a esa tierra de nadie que es el teatro. El descubrimiento era que el instrumento y el actor son dos animales escénicos, pero cuando salen a escena no comparten el mismo destino. El actor entra para ser otro, para representar, pero el intérprete no entra para eso, sino para otra cosa. Si hay algo teatral, que lo hay, el intérprete es inocente de los duendes escénicos que destila su acción." Entrevista a uma das participantes do grupo


Loplop et la Belle Jardinière - Max Ernst, 1929

George Antheil compositor do 'Ballet Mechanique', banda sonora do filme de Fernand Leger de 1924 e inventou com Hedy Lamarr um sistema de 'espectro de difusão em frequência variável' que originou as comunicações wi-fi de hoje em dia.

 



terça-feira, agosto 13, 2019

Efeitos do álcool - Antes e depois - Livro de ensino de 1884

 Livro francês de Paul Bert, 'Primeiro Ano de Ensino Científico' de 1884


quarta-feira, fevereiro 13, 2019

O Escarrador John Bull de Bordalo Pinheiro

 Bordalo Pinheiro fez esta peça para criticar o ultimato inglês de 1890, o governo inglês intimou Portugal a retirar de circulação o escarrador e o governo português cedeu.
Contexto do ultimato inglês:
Ou Portugal desistia da sua pretensão aos territórios africanos entre Angola e Moçambique ou entraria em guerra com a Inglaterra. Em termos simples, foi este o ultimato feito pela Grã-
Bretanha à coroa portuguesa a 11 de janeiro de 1890. Os ingleses deram 24 horas ao
governo português para decidir, após o que o navio de guerra Enchantress largaria de Vigo
em direção ao Tejo. O Conselho de Estado reúne-se nessa noite e cede.
Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens tinham feito a travessia africana da costa à contra-
costa (ou seja, de Angola a Moçambique) poucos anos antes e a Sociedade de Geografia
de Lisboa cunhou o célebre mapa cor-de-rosa, que estendia a esfera de influência
portuguesa aos territórios entre as duas colónias.
Mas os ingleses tinham outros planos. Numa fase de grande expansão ultramarina,
pretendiam ligar a Cidade do Cabo ao Cairo por caminho-de-ferro e as pretensões
portuguesas colidiam com a sua agenda. Aproveitaram então um recontro do explorador
Serpa Pinto com os Makololos a 8 de novembro de 1889, numa zona reclamada pela coroa
britânica, para fazer o ultimato.
A demonstração de força britânica e a cedência do governo do novo rei português (D. Carlos
I tinha chegado ao trono apenas 70 dias antes) provocaram uma comoção geral, com
editoriais inflamados e manifestações de rua.
É neste contexto que Rafael Bordalo Pinheiro pela primeira vez põe o Zé Povinho a fazer o manguito e molda um penico com a forma de John Bull, a figura que representa a Inglaterra.
A inflamação do sentimento de orgulho nacional ferido é explorada pelos republicanos.
É nesta altura que Henrique Lopes de Mendonça e Keil do Amaral escrevem “A Portuguesa”, entoada nas ruas com o refrão original: “contra os bretões, marchar, marchar”.